05/06/2012

NAOMI WOLF


  


A mulher do político 
                      sai de cena 


O novo Presidente da França, François Hollande, não é casado com a sua companheira, a encantadora jornalista política Valerie Trierweiler, e ninguém parece preocupar-se. 
O Presidente da Alemanha, Joachim Gauck, não é casado com a sua companheira, a jornalista Daniela Schadt, e ninguém parece preocupar-se. 
Andrew Cuomo, governador de Nova Iorque, não é casado com a sua companheira, a guru da domesticidade Sandra Lee, e ninguém parece preocupar-se. Seria fácil continuar esta lista. 

 Estará a veneradora mulher do político – que de tal forma é parte integrante do cenário político que tem a sua própria iconografia, desde os tailleurs de malha à forma deferente de olhar para o seu marido – a ficar ultrapassada? 

É verdade que, pelo menos no que diz respeito à América, ainda se tira partido do papel da mulher do político. O Presidente Barack Obama pode ter sofrido a sua primeira grande queda nas sondagens – e o seu primeiro verdadeiro deslize junto das eleitoras – quando Hilary Rosen, uma apoiante partidária, afirmou que Ann Romney, mulher de Mitt Romney, candidato republicano às presidenciais, nunca tinha trabalhado. Mas a resposta à observação de Rosen sublinhou a ausência do habitual escrutínio minucioso ao cabelo e ao vestuário, à profissão e às receitas de biscoitos da mulher do político. 

Foi apenas há 20 anos que, durante a primeira campanha presidencial de Bill Clinton, a carreira de Hillary, sua mulher – ou seja, o facto de ela ter uma carreira – gerou discussões acesas e injuriosas. Houve mesmo o seu absurdo "bake-off" contra a primeira-dama Barbara Bush, em que ela teve que criar uma receita de biscoitos, a fim de satisfazer uma exigência cultural persistente de domesticidade na função. 

Esses dias parecem agora fazer parte de uma outra era. No actual ciclo eleitoral na América, tal como na Europa, não existem os títulos de jornais que no passado teriam levantado questões sobre uma companheira não casada, uma mulher que trabalhasse, uma mulher com vida própria. 

 Então, como se explica súbito desaparecimento da veneradora mulher do político? 

Este papel atingiu a sua apoteose com alguém que, talvez não por coincidência, recebeu formação como actriz. Nancy Reagan instituiu a forma veneradora de olhar para o homem forte, as críticas recatadas e a agregação do poder por detrás do trono, enquanto em entrevistas alegava não ter outro interesse mais sério do que os novos padrões da porcelana da Casa Branca. "Eu não falo sobre assuntos políticos", foi a sua célebre afirmação. "Não é da minha conta". 

Não é de estranhar que este papel tenha desaparecido recentemente. Para começar, os acontecimentos recentes tornaram-no muito pouco atractivo para qualquer mulher que tenha outra alternativa. Nos últimos anos, o papel da mulher tradicional tem sido, mais visivelmente, o de apoiar (ou não) enquanto alguma falha ou traição terrivelmente embaraçosa do marido é publicamente exibida com pormenores humilhantes. 

Que mulher gostaria de arriscar encontrar-se nesta posição – que se tornou cada vez mais provável de acontecer numa época em que a vigilância por parte da oposição política se tornou cada vez mais refinada e exaustiva? Actualmente, as mulheres inteligentes podem não estar dispostas a casar-se com homens com uma posição política de destaque, devido à enorme potencial desvantagem. Talvez seja mais fácil optar por outro tipo de situação familiar, do que dar o nó matrimonial, com a perspectiva de exposição ingrata no caso de haver um escândalo. 

Outra das razões para a situação de mulher de político não-necessariamente-casada e não-necessariamente a tempo inteiro tem a ver com a simples mudança geracional: o papel de mulher adorável que Nancy Reagan aperfeiçoou é uma profissão muito desgastante em termos de tempo. A maioria dos homens que estão prontos para tomar as rédeas do poder nacional terá a seu lado mulheres da sua geração, que provavelmente estarão bastante ocupadas com a sua própria carreira. Temos que agradecer a Hillary Clinton (cuja jornada em torno destas questões foi marcada pela sobrecarga e empenho) e Cherie Blair por terem removido os detritos culturais. 

De certa forma, os eleitores podem considerar que está evolução é tranquilizadora: quando todos os políticos tinham de estar equipados com uma mulher a tempo inteiro adorável e inteligente, mas subempregada, havia razão para estarem apreensivos relativamente à influência de uma conselheira invisível não eleita que andava por perto durante as reuniões do gabinete. Mas quando a companheira de um líder político é uma jornalista a tempo inteiro – ou uma guru de estilo de vida a tempo inteiro – diminuem os receios de existência de um poder por detrás do trono: a mulher, provavelmente, está demasiado ocupada para se intrometer em demasia em assuntos de Estado.Por último, que mulher inteligente e contemporânea quer assumir um papel secundário? É esgotante passar a maioria do tempo a garantir a boa aparência do marido e é humilhante ter que fingir uma falta de interesse em assuntos que, sem dúvida, faziam parte da atracção que sentiam um pelo outro em primeiro lugar. 

Se a tradicional mulher de político está a desaparecer, a culpa é dos eleitores: atribuímos a esta posição uma configuração ingrata e infantilizante. Por que devemos esperar que as companheiras dos nossos líderes desempenhem, num enorme palco público, papéis sociais que já não aceitamos nas nossas próprias vidas? A mulher veneradora do político foi sempre mais caricatura do que personagem. Agora, felizmente, ela pode enfim reformar-se. 


Activista política, crítica social e defensora destacada da “terceira via” no feminismo


 IN "PÚBLICO" 
01/06/12 

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