29/06/2012

NADIA BABAALI



  
Estarão os governos a cumprir o seu papel para alcançarem as metas fixadas pela Agenda Digital?

Em meados do século XIX, a cidade francesa de Alençon, com uma dimensão semelhante à sua rival Le Mans, era um importante ponto de passagem entre Paris e a zona Oeste de França. Foi nessa época que apareceram os caminhos-de-ferro e o comboio se transformou no principal fator de desenvolvimento económico das cidades e das regiões, mas não para Alençon. O comboio passou a ligar Paris à região Oeste de França via Le Mans. Consequentemente, enquanto Le Mans viveu um período de grande desenvolvimento, Alençon resvalou para a estagnação económica. 

Hoje em dia, as infra-estruturas de telecomunicações de banda larga são o fator determinante no desenvolvimento económico das cidades e das regiões. A Comissão Europeia (CE) estima que, por cada aumento de 10% na penetração da banda larga, há um crescimento de 1% a 1.5% na economia. Para estimular ainda mais este crescimento, os Estados Membros da UE têm vindo a ser encorajados a implementarem os objetivos traçados pela Agenda Digital Europeia, um projeto multifacetado que visa a criação de um mercado único de serviços digitais na Europa. 

O projeto de uma infraestrutura de banda larga que assegure a disponibilização de serviços capazes de alavancarem o crescimento económico no espaço europeu constitui o cerne da Agenda Digital Europeia. A CE estima que, para a Europa manter o seu nível de competitividade a par com o das outras regiões do mundo nos próximos anos, terá que, até 2020, proceder à implementação de Redes de Acesso de Nova Geração (NGA) que assegurem a subscrição de serviços de acesso de alta velocidade à internet a 100 Megabits por segundo (Mbps) a pelo menos 50% dos lares europeus, e garantir que 100% dos utilizadores têm no mínimo acesso a velocidades de download de 30 Mbps. Até agora, 21 Estados Membros definiram objetivos quantitativos para assegurarem a construção de NGAs com capacidade para oferecerem velocidades de download entre os 25 Mbps e 1 Gigabit por segundo (Gbps), junto de 75% a 100% das suas populações ou/e lares. 

No entanto, estes objetivos ainda não se traduziram na implementação generalizada e imprescindível das redes de acesso de banda larga de alta velocidade, para que a “fibra até casa” (fiber to the home - FTTH) se desenvolva e se transforme numa realidade ao alcance de todos os utilizadores. Como resultado disso, a Europa está mais atrasada do que outras regiões do resto mundo no que diz respeito à construção e à utilização destas redes de comunicações. De acordo com o IDATE, no final do ano de 2011, na União Europeia, havia 4.5 milhões de subscritores de FTTH/FTTB (fibra até ao Edifício), contra 54.3 milhões de subscritores na região da Ásia Pacífico e 9.7 milhões de subscritores na América do Norte. Neste mesmo período, a penetração do FTTH nas principais economias da zona euro, nomeadamente na Alemanha, no Reino Unido e em Espanha, situava-se abaixo de 1% do número total de lares/casas. 

 A concretização das metas definidas pela Agenda Digital Europeia e o cumprimento dos objetivos estipulados até 2020, depende da capacidade dos governos serem mais proactivos na criação dos quadros legais e dos programas de incentivo, imprescindíveis à construção e implementação do número necessário de redes de Acesso de Nova Geração na Europa. Para garantir o retorno do investimento nestes empreendimentos é fundamental aliar a simplificação legislativa a infraestruturas que facilitem o desenvolvimento das relações comerciais entre os países e, por sua vez, incentivem o crescimento económico. 

 Um dos fatores chave da Agenda Digital Europeia é a vontade de erradicar a infoexclusão e os seus efeitos no futuro, sobretudo em países onde poderá haver poucos, ou até mesmo nenhuns, incentivos para os operadores construírem e implementarem infraestruturas de banda larga de alta velocidade em certas zonas. Mais uma vez, é preciso agir. Uma linha de ação possível passa pelo desenvolvimento de modelos de parcerias público-privadas a nível nacional, ou até mesmo local. Seria uma forma de facilitar o financiamento das redes de acesso de alta velocidade e, ao mesmo tempo, garantir o fornecimento de serviços que irão beneficiar os contribuintes. 

Um estudo recente da OCDE revela que as reduções de custos geradas pela utilização das Redes de Acesso de Nova Geração em apenas quatro sectores de atividade, (transportes, saúde, eletricidade e educação) atingem valores que justificam, por si só, a construção de uma rede nacional de FTTH, em qualquer país. Certamente os governos que facilitarem a construção das redes de FTTH serão aqueles que passarão a dispor de maior capacidade de disponibilização de serviços públicos em linha, e de forma mais eficiente: um bom exemplo são as vantagens oferecidas pelos serviços de saúde online, onde existe a possibilidade da realização de consultas médicas através da utilização de vídeo, suprindo deste modo as necessidades das populações que residam em zonas remotas e que não tenham possibilidade de se deslocarem aos centros hospitalares das grandes cidades. Além disso, os cidadãos que tiverem acesso a redes de banda larga de alta velocidade nas suas casas terão mais facilidade em se integrarem na realidade do teletrabalho, uma opção que pode beneficiar grandemente as empresas, a nível da redução de custos e, ao mesmo tempo, responder à procura de maior flexibilidade laboral por parte dos trabalhadores. Estes dois aspetos são essenciais à criação de novas oportunidades de revitalização das economias das zonas rurais, podendo também beneficiar as regiões economicamente menos favorecidas. 

Apesar disso, a Comissão Europeia qualifica o progresso da implementação da Agenda Digital nos Estados Membros como “moderado”. São muitos os fatores que travam a ação dos governos, e um dos mais relevantes é a questão dos custos. Segundo estimativas publicadas pela CE no âmbito da Agenda Digital Europeia, disponibilizar velocidades de acesso a 100 Mbps a 50% dos lares europeus implica um investimento entre os 181 mil milhões de euros e os 268 mil milhões de euros. Contudo, os primeiros resultados do modelo de custos que o FTTH Council Europe tem estado a desenvolver neste contexto, demonstram que o cumprimento das metas fixadas pela Agenda Digital, no que concerne ao FTTH, pressupõe um nível de investimento que não deverá ultrapassar um total de 192 mil milhões de euros, ou seja, um valor que se situa no nível mais baixo dos investimentos previstos. Além disso, há ainda um enorme potencial a nível da redução de custos, por exemplo, através da reutilização ou da partilha das infra-estruturas existentes. A coordenação das medidas relacionadas com estas reduções de custos deverá ser agora a tarefa fundamental e prioritária dos governos e dos reguladores. 

Tanto as organizações privadas, como os organismos municipais e regionais, estão cada vez mais a tomar medidas no sentido de concretizarem a construção das NGA's, dando sinais encorajadores que revelam que os governos não terão que fazer este caminho sozinhos. O resultado será a expansão do mercado grossista e retalhista às redes de acesso em fibra, a base essencial para o desenvolvimento de serviços inovadores no futuro. 

Há um número crescente de cidades na Europa que tem vindo a reconhecer a importância das redes de FTTH de alta velocidade no seu desenvolvimento económico futuro, e que estão por isso mesmo a estimular o investimento das empresas privadas nesta área. Por exemplo, em Munique a SWM, uma empresa da área das Utilities, em parceria com o operador de telecomunicações M-net, está a investir 250 milhões de euros na construção de redes de FTTH esperando passar 350,000 lares, e ligar metade dos lares de toda a cidade até 2013. O município de Estocolmo criou uma organização, financiada quase na sua totalidade por empresas privadas, com vista à construção de uma rede de FTTH para revenda e aluguer de fibras aos fornecedores de serviços do sector privado. 

Na Holanda, os investidores privados estabeleceram parcerias com o incumbente KPN para disponibilizarem o FTTH à maioria da população, num prazo de 5 a 10 anos, e que já resultou num milhão de casas passadas, das quais 40% já são assinantes/subscritores. Também no Reino Unido, a CityFibre tem como objetivo principal disponibilizar o FTTH a velocidades de pelo menos 100 Mbps a 1 milhão de lares e a 50.000 empresas localizadas nas cidades do interior. 

 Porém, os planos estratégicos de nível nacional terão que ser assegurados pelos governos europeus a quem caberá desempenhar o papel principal, nomeadamente garantindo a coordenação de todos os intervenientes no processo - as entidades locais e regionais, os investidores privados e os reguladores. Portugal, por exemplo, optou por investir fundos do Plano Europeu para a Recuperação Económica na implementação de Redes de Acesso de Nova Geração em 140 municípios rurais, exigindo aos operadores licitantes a ligação de pelo menos 50% da população em cada região a uma velocidade igual ou superior a 40 Mbps. Portugal disponibilizou também uma linha de crédito de 800 milhões de euros aos investidores em projetos de Redes de Acesso de Nova Geração. Por seu turno, a França criou a regulação necessária para facilitar a cooperação entre operadores na implementação do FTTH, com o objetivo de ligar 70% da população até 2020, e alcançar os 100% até 2025. No final de 2011 o regulador das telecomunicações francês anunciou que apenas cerca metade do valor do investimento estimado para a construção das redes de banda larga de alta velocidade em todo o país (19 mil milhões de euros) será suportado por financiamento público. 

A realidade é muito clara, quer para os governos, quer para os seus parceiros. À medida que se desenvolvem novos dispositivos e novos serviços, públicos ou privados, que exigem maiores capacidades, deve ser dada prioridade à implementação de infraestruturas “à prova do futuro”, capazes de responderem aos desafios do crescimento e das mudanças na utilização da largura de banda. Ao contrário do FTTC (Fibre to the Cabinet – fibra até ao armário), cuja capacidade é limitada por depender das redes de cobre para transmitir os dados até casa do cliente utilizador, o FTTH oferece ligações de fibra de alta velocidade até à casa do cliente final. 

As redes de alta velocidade de FTTH desempenham um papel fundamental enquanto garantia de um futuro competitivo e próspero para a Europa. No entanto, estas redes, para poderem disponibilizar o seu máximo potencial na transformação das economias locais e nacionais, têm que se multiplicar. A dimensão destes projetos leva a que governos e decisores tomem medidas que permitam viabilizar a coordenação da iniciativa privada e do investimento público, de modo a garantir que as redes são construídas com base em modelos económicos sustentáveis e dentro dos prazos estabelecidos. 

 Infelizmente, ainda são muitos os governos que não abraçaram o desafio da construção de uma verdadeira infraestrutura de redes de acesso de nova geração. De facto, alguns ainda questionam a verdadeira necessidade de cumprir as metas fixadas pela Agenda Digital Europeia. Porém, a história revela que a transformação e o crescimento económico dependem das infra-estruturas. Se a Europa não começa a levar a cabo uma estratégia concertada e empenhada para a implementação das verdadeiras redes de banda larga do futuro, corre o sério risco de enveredar pelo mesmo destino que teve a cidade de Alençon no século XIX, e resvalar para a estagnação económica num momento em que precisa desesperadamente de crescer e de se tornar mais competitiva. 


 Communications Director, FTTH Council Europe 


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" 
28/06/12 

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