27/06/2012

FERNANDA CÂNCIO


  

Não regular de todo 


A ERC tem como principal objetivo "assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa". Convém lembrar isto quando a deliberação sobre o caso Relvas/Público evidencia que a maioria dos seus membros não sabe distinguir entre regulador e tribunal, confundindo um juízo de aceitabilidade/legitimidade com o de legalidade, e não hesita em fazer o pino para safar o ministro de uma censura explícita. 

Em vez de avaliar o essencial - o ministro agiu ou não com o objetivo de restringir ilegitimamente a liberdade de informar? - todo o texto visa conduzir à conclusão de que as pressões do ministro (porque, admite-se, pressões houve) "não foram ilícitas". Fá-lo negando as principais acusações - "não foram comprovadas as denúncias de que Relvas tenha ameaçado promover um blackout informativo de todo o Governo em relação ao jornal e divulgar na Internet um dado da vida privada da jornalista" - e invocando a opinião do advogado do jornal de que estas não configuram uma conduta ilegal. Ou seja: as ameaças não existiram, mas mesmo que existissem não eram ilícitas. Chega-se até, a propósito da acusação mais grave - a de que o ministro teria ameaçado divulgar com quem a jornalista Maria José Oliveira vive -, a perorar sobre a distinção entre vida privada e íntima. Para concluir que tal ameaça só seria ilegítima se visasse afirmar que o trabalho da jornalista estava a ser condicionado pela relação, pois "essa possível informação pessoal seria de fácil acesso público". Quer isto dizer que para a ERC é pressão legítima ameaçar divulgar com quem vive um jornalista, desde que os vizinhos saibam? 

É mau de mais para ser verdade? Não. Dando como provado (porque este o assume) que o ministro ameaçou deixar de falar com o jornal, a deliberação considera que tal conduta "poderá ser objeto de um juízo negativo no plano ético e institucional, ainda que não caiba à ERC pronunciar-se sobre esse juízo". Portanto, dizer que uma conduta pode ser objeto de juízo negativo não é pronunciar-se eticamente sobre ela e à ERC cabe mesmo é ajuizar sobre gravatas. Aliás, afirma, compete às direções dos meios de comunicação social decidir como reagem "a pressões que consideram inaceitáveis" - é portanto "lícito" esquecer que existe uma obrigação legal, por via do Estatuto de Jornalista, de denúncia de tentativas (graves, claro: que outra coisa é "inaceitável"?) de restringir a liberdade de informação. 

Aqui chegados, só podemos perguntar-nos por que raio a ERC não se interessa em perceber o que poderia levar o Público, nas pessoas da diretora e da editora de política, a inventar esta tramoia, e como se explica que se exima de o admoestar. Será que julga "lícito" um jornal imputar tais enormidades a um ministro? Ou estava tão focada em "ilibar" Relvas - a quem, por acaso, apanhou a faltar à verdade sobre o número de vezes que falou com a editora no dia em causa - que não se deu conta de estar a acusar o jornal? 


 IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" 
22/06/12


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