02/05/2012

ELISABETE MIRANDA

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Pedro e o Mestre 

 Durante quase um ano, Pedro Mota Soares facturou algumas proezas políticas. Sempre que pôde, sacudiu os "dossiês" mal afamados para a troika, e quando as costas da troika não tinham espaço, geriu-os com habilidade. 

Conseguiu evitar ser o rosto do aumento intolerável do desemprego, demarcou-se do desgastante embate com os parceiros sociais, que colocaram Álvaro Santos Pereira na corda bamba, e chamuscou-se pouco com as sucessivas trapalhadas dos serviços da Segurança Social. 

 Pedro tem-se também esforçado por praticar as obras de misericórdia, destinando mais dinheiro às cantinas sociais, distribuindo medicamentos em fim de prazo pelos mais pobres e tem perseguido intrepidamente os beneficiários do rendimento mínimo. O brinde tem vindo nos barómetros de popularidade, onde aparece no topo da escala – e ombro a ombro com os dois companheiros de partido. 

Mas a gestão prudente e calculada que o tem mantido à tona pode ter os dias contados, e o detonador é até uma causa à partida improvável: o plafonamento das pensões de reforma. De repente Mota Soares viu-se atacado da esquerda à direita, e nem mesmo o seu Mestre Bagão Félix, que inspirou parte das medidas que vem executando, o acompanha. 

Se introduzir o plafonamento numa época normal já é uma decisão arriscada, fazê-lo numa altura em que os mercados estão instáveis, a regulação descredibilizada e a Segurança Social a precisar de dinheiro para acudir à degradação das condições de vida, é um aventureirismo imprudente. Bagão Félix, que já no passado teve uma proposta pronta-a-aplicar semelhante à que o Governo parece querer agora voltar a estudar, já deixou o recado: "Tem de se encontrar um momento mais oportuno". 

 Não é só a Bagão Félix que seria difícil compreender porque é que o mesmo orçamento que não suporta o exercício de um direito financeiramente neutro como o das reformas antecipadas, pode, de repente, ser sujeito a um desvio de receitas para testar um novo enxerto no sistema de pensões. Também não seria só Bagão a perguntar-se como é que se convencem (ou empurram) cidadãos a investir a reforma no mercado, quando há ainda poucos meses o Governo deu um passo para extinguir os fundos de pensões da banca, os maiores e alegadamente sólidos fundos privados. 

Mas, se ainda assim Mota Soares quiser lançar-se a este projecto, a partir de um debate construtivo, então deverá temperar o discurso sobre as virtudes teóricas do seu modelo. Porque os cidadãos mais crédulos que o têm ouvido podem ficar convencidos de que o plafonamento vai mesmo acabar com as reformas milionárias que o Estado paga, e podem até acreditar que ele resolverá a presumida pré-falência da Segurança Social. E nenhuma das premissas tem aderência à realidade. Se avançasse, o plafonamento só seria aplicado aos trabalhadores mais novos, pessoas que vão reformar-se daqui a 30 ou mais anos e que já terão a pensão calculada com base nos salários de toda a vida. Não é para quem já está reformado nem prestes a reformar-se, e muito menos seria aplicável à Caixa Geral de Aposentações, de onde vem a esmagadora maioria das "pensões douradas". Portanto, se decidir expulsar da Segurança Social os jovens com bons salários (os tais que daqui a 30 anos seriam pensionistas milionários, porque descontariam tudo o que é preciso para ter direito a essas pensões), estará a prescindir dos seus valiosos contributos para o sistema público. 

 Se se quiser lançar num debate clarificador, Pedro deve explicar que o plafonamento é essencialmente uma discussão sobre modelos de organização e de política social. Não é uma poção milagrosa que resolverá os efeitos do nosso declínio demográfico e de crescimento, nem uma fórmula justiceira que repõe a moralidade no sistema de pensões. É ouvir o que diz o Mestre. 



 *Jornalista 

 IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" 
19/04/12 

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