05/04/2012

RUI SANTOS



De cabeça perdida...


Os árbitros quiseram deixar de ser “anónimos” e contribuíram muito para aquilo que (de grave) está a acontecer. Quiseram adquirir importância e notoriedade. Quiseram alcançar o estatuto de “estrelas”, a par de jogadores e treinadores. Os árbitros fazem-me lembrar aquelas “figuras públicas” que, num determinado momento das suas vidas, se colocam a jeito das revistas cor de rosa, e, depois, já cansadas de tanta exposição, queixam-se de não ter privacidade. Contudo, nada justifica – nem essa irresistível queda no “caldeirão da fama” – a entrada em cena do monstruoso Big Brother, capaz de tornar acessível a todos aquilo que deve ser do domínio privado, em nome da protecção do valor da cidadania.

Por mais resistência que se peça aos portugueses, não se trata de um caso de pieguice. É um caso muito sério de “direito à segurança” que não se pode nem deve alienar.

Outra coisa, bem diferente, é a chamada de atenção para as deformações do sistema, que potenciam o erro. O erro de facto e o erro por influência.

Em relação ao erro de facto já todos percebemos que, numa superfície de 120x60 metros, mesmo com a ajuda de 2 ou 4 auxiliares e de um 4.º árbitro, não é fácil decidir bem em todas as situações. É para isso que servem as reformas. O Mundo avança e o futebol está parado. Há algum paradoxo maior do que este? A competição tornou-se mais rápida, mais atlética, mais “científica”, alcançou uma dimensão “industrial” e “comercial” compatível com a sua capacidade de gerar receitas (não confundir com a capacidade também enorme de destruir essas receitas...), mas as “leis do jogo” não acompanharam a evolução nem das sociedades modernas nem do futebol em si mesma. É também por isso que se estagnou nesta visão do erro por influência. É sobre ela que recaem há muito as atenções (e as movimentações), com maior prevalência nos países latinos.

Em vez de reformas, a persistência na manutenção ou na mudança das plataformas que geram essas influências.

Pinto da Costa percebeu isso de forma cabal. Em duas décadas, foi mudando as peças do tabuleiro de maneira a conseguir o “jogo” que mais lhe convinha. Os principais adversários não perceberam isso e, quando entenderam, já a relação de forças estava totalmente alterada: o FC Porto tornou-se mais forte, não apenas por razões que se acham no espaço das competências técnicas e táticas, mas também porque soube posicionar-se nos corredores do poder futebolístico. E não deixa de ser curioso que, antes de ter um treinador com o mesmo nome, as críticas ao nomeador Vítor Pereira sempre se fizeram com conta, peso e medida...

Quem não percebeu nada foi o Benfica. E achou que ia conseguir mudar as dinâmicas dos últimos tempos com o apoio a Fernando Gomes e a Vítor Pereira, na corrida à FPF.

As últimas movimentações são caricatas e dignas de “parque infantil”: os árbitros vão à FPF com um cenário de greve na cabeça; saem da FPF satisfeitos com a hipótese de não haver contestação nesta jornada. Se os dirigentes se portarem bem e não atirarem “o pau ao árbitro” estarão disponíveis na jornada do Braga-Porto e do Sporting-Benfica. Portem-se bem, ouviram? Caso contrário, não saímos de casa, está bem? Ridículo e patético.

Patético e ridículo, também, Alexandre Mestre receber o Sporting “por causa das arbitragens” e não haver divulgação das nomeações. Andam mesmo de cabeça perdida.


IN "RECORD"
29/03/12

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