08/04/2012

EVA GASPAR




Levem-nos mais soberania

O PS virou um saco de gatos. O PSD só não estará virado do avesso porque está disciplinado pelo exercício do poder. A causa mais próxima é um Tratado europeu que lamentavelmente nos tira menos soberania do que devia.

À excepção da Alemanha, poucos países europeus têm melhor alternativa à integração europeia. Se Alemanha fica mais forte rodeada dos outros, os outros ficam mais fracos sem ela. Com o novo Tratado Orçamental, a Alemanha renova o seu compromisso europeu e com o euro, mas à sua maneira.

A rigor, o novo Tratado Orçamental nada traz fundamentalmente de novo face ao velho Pacto de Estabilidade (da parte do pai, Helmut Kohl ) e de Crescimento (da parte do padrasto, Jacques Chirac) que pouco de ambos trouxe à Europa nesta última década. O que faz é clarificar o que se entende por equilíbrio orçamental (através de um conceito, o défice estrutural, que ainda vai fazer correr muita tinta, mas isso é outra conversa) e que 60% do PIB é o limite aceitável de endividamento numa economia com pretensão de andar pelo seu pé.

A grande novidade é que impõe que ambos sejam inscritos na "pedra", preferencialmente nas Constituições de cada país e não mais apenas em regulamentações europeias, como princípios basilares de uma gestão prudente de finanças públicas, compagináveis com um euro que se quer para lá desta geração de gentes e de políticos que ainda acredita que o melhor que pode deixar para a descendência é cruzar destinos.

Nessa medida, é um Tratado que se quer à prova de coligações eurocépticas. Nessa medida ainda, é um Tratado necessário quando se vê que poucos (a começar pela Alemanha) o cumpriram quando estava escrito a lápis e pôde ser apagado num telefonema de Gerhard Schröder para Bruxelas. Hoje Angela Merkel não o poderia fazer. Não porque de Bruxelas não lhe atendessem o telefone com até maior solicitude, mas porque teria o seu Tribunal Constitucional, ali ao lado, à perna.

É por isso um Tratado consequente com opções e erros do passado. E moldado pelas exigências do presente. É um Tratado "para mercados verem", sim. Que ajudará à devolução da parcela de soberania que, no caso de Portugal, está agora tomada pela troika, e é isso que sossega alemães – se os mercados não acreditarem na nossa capacidade de gerar riqueza e ressarcir empréstimos, não serão outros a levarem-nos ao colo por muito mais tempo.

Possivelmente daqui a uma semana, o Parlamento aprovará o Tratado porque bastarão os votos dos partidos do Governo. Com um ruído de fundo ensurdecedor para António José Seguro e esclarecedor sobre o que preocupa alguns dos nossos políticos.

Quem quer o euro, quem quer uma espécie de Estados Unidos da Europa, com solidariedade financeira à séria, que impeça a transformação das "periferias" em mero reservatório de mão-de-obra barata (e qualificada) da Europa do Norte, devia ter andado a gritar que nos levassem mais soberania. A orçamental já devia ter ido, logo atrás da monetária. Este Tratado é fundamentalmente mau porque não basta.



IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
04/04/12

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