21/04/2012

DANIEL DEUSDADO






A hipótese de não crescer

A única coisa consistente e sustentável que há para dizer aos portugueses é de que o país não está a conseguir crescer ao ritmo que seria necessário e não há político que possa fazer o milagre de o tornar possível de repente. São décadas de coisas tortas (da educação à justiça, passando pela dívida) e isso não se resolve de um dia para outro, ou em três anos, nem talvez em dez. Perante este facto há duas hipóteses: ou continuamos a bater com a cabeça na parede sempre que uma décima de recessão é conhecida ou optamos por ganhar consciência de que não vamos crescer.

Como os economistas são os demagogos dos novos tempos é possível encomendarem-se projeções à medida de cada necessidade de comunicação. Se fizermos de conta que passaremos a crescer 3% ao ano, o desemprego baixaria já daqui a meses, devolver-se-ão em três anos os subsídios de Natal a toda a gente e retomar-se-ão as reformas antecipadas num abrir e fechar de olhos. Poderemos até aumentar os apoios sociais. No entanto, se isto falhar a culpa foi de alguém, vago, inimputável. Da "conjuntura internacional". Enquanto havia maneira de obter dinheiro nos mercados, podíamos fazer de conta que acertávamos nas projeções porque o défice tapava tudo e a conta chegaria "lá para a frente", num tempo incerto, acompanhado de um D. Sebastião a cavalo. Afinal, foi agora. Perante estes factos, então, o melhor é adaptarmo-nos a estas brutais novas circunstâncias de "não-crescimento" percebendo porque é que elas acontecem. Por exemplo: a importação de energia está a levar os euros que poupamos à mesa. Mas se pensarmos que o petróleo ou o gás hão de ficar mais baratos, nunca mudaremos o nosso perfil de vida e ter carro continuará a ser a primeira opção. Reforçar os transportes públicos nunca será prioritário para os governos. Fazemos de conta?
Outra questão essencial: se a ideia de salvar o país pelas exportações começar a esbarrar cada vez mais no aumento do protecionismo mundial, deparamo-nos com uma porta fechada no nosso único caminho de saída da crise. Há um 'mundo novo' todos os dias nos jornais onde se percebe que o nacionalismo do consumo (para diminuição do desemprego) passou a ser um pilar essencial de todos os governos, sejam de Esquerda ou de Direita.

O Brasil é um bom exemplo quanto a este nosso árduo caminho - duplicou as tarifas aduaneiras às entradas de vinho e azeite, enquanto, em simultâneo, lhes vamos entregar a maior empresa industrial portuguesa, a Cimpor. Mas veja-se igualmente o brutal corte da Argentina com o capitalismo ao decidir nacionalizar a petrolífera espanhola Repsol para explorar diretamente os poços de petróleo. Energia + protecionismo. São as palavras da nova crise.

Diferendos por causa de petróleo são a razão das últimas guerras - as dos Golfo, por exemplo. Se o Mundo avança para uma população de nove mil milhões de pessoas e, em simultâneo, os recursos de petróleo barato são cada vez mais escassos, fazer contas a descidas da gasolina é um engano.

Aceitar premissas como estas obriga-nos a decisões estratégicas para a economia portuguesa. Por exemplo, no turismo, continuará a haver a multiplicação de companhias aéreas low-cost para engrossar o número de visitantes deste canto europeu? Dar-se-á finalmente um impulso à reabilitação das cidades porque a proximidade das pessoas ao emprego ou às compras é mais importante que uma casa maior nos arredores? As mercadorias continuarão a circular por rodovia a custos aceitáveis? Poderiam enumerar-se dezenas de premissas todas no sentido desta mudança para 'menos': energia, consumo, dívida.

Portugal pode crescer alguma coisa e será bom se isso acontecer. O mundo, no entanto, não vai "crescer" até ao infinito. Vai mingar face ao que temos hoje de recursos. Por isso apostaria desde já numa economia de proximidade, menos consumista, mais próxima da terra, capaz de devolver mais sentido à vida das pessoas, tentando autonomizá-las através do alerta para as necessidades da autossubsistência. Em alternativa podemos confiar no Estado e nos políticos profetas do crescimento. É optar.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
19/04/12

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