A barbárie
também fala português
As ex-colónias portuguesas tiveram dois grandes líderes mundiais na época das autonomias: Agostinho Neto e Amílcar Cabral.
Não conheci pessoalmente nenhum deles, mas privei com alguém que teve o privilégio de ter nascido guineense, e de o ter tido por chefe.
O Djaló era alto, muito negro, bonito e com voz doce. Cara de bom gigante.
Quando era adolescente, quase menino, procurou na mata o chefe para se alistar como voluntário na guerrilha. Amílcar Cabral respondeu-lhe: «Esta não é uma guerra qualquer, é uma guerra de libertação. Assim que termine, a Guiné-Bissau vai ser um país, ter paz e lutar pelo seu desenvolvimento. Vai precisar de quadros civis para gerir esse país pelo qual lutamos, e esse será o teu papel e dos teus camaradas. Lutar, para vocês neste tempo que vivemos, é ir para países amigos e prepararem-se para, quando tomarmos o poder, construirmos um país de paz e direitos iguais para todos».
Djaló viveu em nossa casa seis meses, depois do reconhecimento da independência do seu país. Aprendia ao tempo no CIDAC (Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral).
Quando ele e os seus companheiros regressaram à Guiné, ainda fomos lá fazer formação de adultos nas férias da Páscoa.
Foi lá que conheci o Paulo Freire, num fim de tarde comprido, na varanda-quintal de outra militante brasileira do desenvolvimento dos povos que, ao tempo, alguns diziam ser o novo nome da paz.
Por estas e por muitas outras vivências eu gosto muito da Guiné-Bissau.
Por estas e por outras coisas, sinto-me traída pelos vários bandos armados que usam fardas e estrelas mas que não são soldados – são apenas criminosos de delito comum.
Hoje, manhã cedo ainda, as televisões transmitiam o apelo de uma mulher que apelava aos responsáveis pelo golpe de Estado para deixarem passar os médicos e enfermeiros que se dirigiam a um hospital com muitos feridos sem electricidade sem água e sem alimentos.
Jovens guineenses organizaram-se para partilhar e transportar a pouca comida disponível na cidade até ao hospital.
Dirão alguns peritos em diplomacia que o respeito pela autonomia das nações não deve ser objecto de ingerências externas. Mas isso só é verdade no caso de Governos legítimos.
Amílcar Cabral foi assassinado pelo então inimigo colonialista.
Muitos dos seus camaradas traíram o sonho de um povo, usando o seu nome. Alguns dos que lutaram do seu lado ainda estão vivos.
Sem ter mandato de ninguém, deixo algumas perguntas:
– Como irão os representantes da CPLP, sentar-se a uma mesa, a discutir política, economia ou cultura, com bárbaros fardados?
– Como irão os militares dos exércitos legítimos destes países relacionar-se com seres que usam as mesmas armas e as mesmas fardas mas não sabem que existe a Convenção de Genebra?
– Como podemos deixar que a barbárie se exprima em português, e não nos oponhamos de todas as formas legítimas a que tal continue a acontecer?
IN "SOL"
23/04/12
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