08/04/2012

17- VULTOS DA CULTURA DA TERCEIRA REPÚBLICA »»» antónio tabucchi

Antonio Tabucchi (Vecchiano, província de Pisa, 24 de setembro de 1943 - Lisboa, 25 de março de 2012) foi um escritor italiano, professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Siena. Desde 2004 tinha também a nacionalidade portuguesa.[1]

Muito apaixonado por Portugal, e dos melhores conhecedores, crítico e tradutor italiano do escritor português Fernando Pessoa. Tabucchi chega à obra de Pessoa nos anos sessenta, na Sorbona, fica fascinado e no seu retorno a Itália assiste a aulas de português para poder perceber melhor o poeta.

Os seus livros estão traduzidos em cerca de dezoito países. Em parceria com Maria José de Lancastre, sua mulher, tem traduzido para italiano muitas das obras de Pessoa. Escreveu, além de outras obras, um livro de ensaios e uma comédia teatral sobre ele.

Obteve o prémio francês "Médicis étranger" pelo seu romance Notturno Indiano, e o prémio Campiello por Sostiene Pereira.

Alguns dos seus livros mais conhecidos são Notturno Indiano, Piccoli equivoci senza importanza, Un baule pieno di gente, Gli ultimi tre giorni di Fernando Pessoa, Sostiene Pereira, La testa perduta di Damasceno Monteiro e Si sta facendo sempre più tardi. Vários dos seus livros foram adaptados ao cinema, com destaque para Sostiene Pereira, onde Marcello Mastroianni realiza uma das suas últimas interpretações, em 1995,um ano antes da sua morte.

Início de vida
Antonio Tabucchi nasceu em Pisa, filho de Antonio Tabucchi e de sua mulher Tina Pardella[2][3], mas cresceu na casa de seus avós maternos em Vecchiano (uma aldeia nas proximidades). Durante os seus anos na universidade, ele viajou muito pela Europa na senda dos autores que ele havia encontrado na biblioteca de seu tio. Durante uma dessas viagens, encontrou o poema "Tabacaria" tabacaria num quiosque perto da Gare de Lyon, em Paris, assinado por Álvaro de Campos, um dos heterónimos do poeta Português Fernando Pessoa. Foi na tradução para o francês por Pierre Hourcade. Das páginas deste ele extraiu a intuição do seu interesse na sua vida futura, pelo menos, nos vinte anos seguintes.

A visita a Lisboa provoca o seu incontestável amor à cidade do fado e do país como um todo. Como resultado, formou-se em 1969 com uma tese sobre "O surrealismo em Portugal". Em Lisboa a 10 de Janeiro de 1970 casou com uma portuguesa, D. Maria José de Lancastre de Melo Sampaio, nascida em Lisboa, São Mamede, a 17 de Abril de 1946, filha da 3.ª Baronesa de Pombeiro de Riba Vizela e neta paterna do 4.º Conde das Alcáçovas, de quem teve o seu primeiro filho Miguel de Lancastre Tabucchi a 11 de Novembro desse mesmo ano[4][5]. Especializou-se na Scuola Normale Superiore di Pisa na década de setenta e em 1973, ano em que nasceu a sua filha Teresa Marina de Lancastre Tabucchi a 25 de Agosto[6][7], foi nomeado professor de Língua e Literatura Portuguesa, em Bolonha.

Nesse ano, ele escreveu a sua primeira novela, Piazza d'Italia (Bompiani, 1975), em que tentou descrever a história do ponto de vista dos derrotados. Neste caso dos anarquistas da Toscana. Seguiu assim a tradição dos grandes escritores italianos de um passado relativamente recente, tais como Giovanni Verga, Federico De Roberto, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Beppe Fenoglio, e autores contemporâneos, como Vincenzo Consolo.

Mais trabalhos
Em 1978 foi nomeado para a Universidade de Génova, e publicou Il Piccolo Naviglio (Mondadori), seguido por Il gioco del rovescio e altri Racconti (Il Saggiatore) em 1981, e Donna di Porto Pim (Sellerio 1983). A sua primeira novela importante, Notturno indiano, foi publicada em 1984, e se tornou a base de 1989, um filme dirigido por Alain Corneau. O protagonista tenta traçar um amigo que desapareceu em Portugal mas está na verdade buscando a sua própria identidade.

Publicou Piccoli Equivoci senza importanza (Feltrinelli) em 1985 e, no ano seguinte, Dell'orizzonte Il filo. Este romance apresenta um outro protagonista (Spino) numa missão para descobrir algo (neste caso, a identidade de um cadáver), mas que também está, mais uma vez, procurando a sua própria identidade, que viria a se tornar uma missão comum para os protagonistas Tabucchi. A película foi elaborada a partir deste livro, também, em 1993, dirigido por Fernando Lopes Português. Em 1987, Volatili del Beato Angelico (Sellerio) e Pessoana Mínima (Imprensa Nacional, Lisboa) foi impresso, tendo recebido o prêmio francês "Médicis" para o melhor romance estrangeiro (Notturno indiano). No ano seguinte, ele escreveu a comédia I Dialoghi mancati (Feltrinelli). O presidente da Portugal outorgou-lhe o título Do Infante Dom Henrique em 1989 e nesse mesmo ano o governo francês nomeou-o Cavaleiro des Arts et des Lettres.

Tabucchi publicou Un Baule pieno di gente. Scritti su Fernando Pessoa (Feltrinelli) em 1990, e no ano seguinte, L'Angelo nero (Feltrinelli 1991). Em 1992, ele escreveu em Português Requiem, um romance depois traduzido em italiano (Feltrinelli, vencedor do Prémio PEN Clube italiano) e Sogni di Sogni (Sellerio).

1994 foi um ano muito importante para o autor. Foi o ano de Gli ultimi tre giorni di Fernando Pessoa (Sellerio), mas mais importante do romance que lhe trouxe o maior reconhecimento: Sostiene Pereira (Feltrinelli), vencedor do Prêmio Super Campiello, Scanno e Jean Monnet de Literatura Europeia. O protagonista desse romance tornou-se um símbolo da defesa da liberdade de informação para os adversários políticos de todos os regimes anti-democráticos. Em Itália, durante a campanha eleitoral, a oposição contra o polêmico magnata da comunicação Silvio Berlusconi agregou-se em torno deste livro. O diretor Roberto Faenza extraiu-se o filme homônimo (1995), no qual lançou Marcello Mastroianni como Pereira e Daniel Auteuil como o Dr. Cardoso.

Em 1997 Tabucchi escreveu o romance La testa perduta di Damasceno Monteiro baseado na história verídica de um homem cujo cadáver foi encontrado decapitado em um parque. Descobriu-se que o homem havia sido assassinado em uma estação da Guarda Nacional Republicana (GNR). A notícia atingiu a sensibilidade do escritor e da imaginação. A definição do evento no Porto deu também o autor a oportunidade de mostrar seu amor pela cidade. Para terminar esta novela, Tabucchi trabalhou sobre os documentos recolhidos pelos investigadores no Conselho Europeu, em Estrasburgo, que respeitar os direitos civis e as condições de detenção na Europa, incluindo a relação entre cidadãos e agentes das forças de segurança. A novela demonstrou ser profética, quando um membro da polícia, o sargento José dos Santos confessou mais tarde o assassinato. Este foi mais tarde e após julgamento condenado e sentenciado a 17 anos de prisão. Também em 1997, escreveu Tabucchi Marconi, se ben mi Ricordo (IIE), seguido no ano seguinte por L'Automobile, Nostalgie la et l'Infini (Seuil, Parigi, 1998). Esse ano a Academia Leibniz lhe concedeu o Prêmio Nossack.

Escreveu Zingari e il Rinascimento (Sipiel) e Ena poukamiso gemato likedes (Una camicia piena di Macchie. Conversazioni di con AT Anteos Chrysostomidis, Agra, Atene 1999), em 1999. "As dúvidas são como manchas na camisa lavadas branco. A tarefa de cada escritor e de cada homem de letras é instalar dúvidas para a perfeição, porque perfeição gera ideologias, ditadores e idéias totalitárias. Democracia não é um estado de perfeição".

Em 2001 Tabucchi publicou o romance epistolar, Sta si facendo semper più tardi. Nele 17 textos celebram o triunfo da palavra, que, como "mensagens no" frasco, não tem destinatário, são missivas do autor dirigidas a um "desconhecido Restante poste". O livro recebeu o Prémio France Culture 2002 (a rádio francesa cultural) para a literatura estrangeira.

Passa seis meses do ano em Lisboa, com a sua mulher e os seus dois filhos, sendo já um nativo da cidade. O resto do ano é passado na Toscana, onde lecciona literatura Portuguesa na Universidade de Siena. Na verdade Tabucchi considera-se um escritor somente num sentido ontológico, porque do ponto de vista existencial ele está suficientemente contente em poder definir-se um professor universitário ". Literatura para Tabucchi não é uma profissão ", mas algo que envolve desejos, sonhos e imaginação".

Tabucchi contribui regularmente artigos para as páginas culturais dos jornais Corriere della Sera e El País. Em 2004, foi premiado com o prêmio de jornalismo Francisco Cerecedo, atribuído pela Associação de Jornalistas Europeus e entregue pelo herdeiro da Coroa Espanhola, o Príncipe das Astúrias Felipe de Borbón, em reconhecimento pela qualidade do seu trabalho jornalístico e sua defesa aberta da liberdade de expressão.

Em 2007 recebeu um doutoramento honoris causa pela Universidade de Liège.

Em 2011, causou polêmica no Brasil ao recusar o convite da Festa Literária Internacional de Paraty devido à posição do país de não extraditar Cesare Battisti (escritor), condenado por 4 assassinatos na Itália.

Morte

Antonio Tabucchi faleceu no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, de cancro, em 25 de março de 2012, aos 68 anos.



Bibliografia
Piazza d'Italia - 1975
Il piccolo naviglio - 1978
Il Gioco del Rovescio - 1981
Donna di Porto Pim e Altre Storie - 1983
Notturno Indiano - 1984
Piccoli Equivoci Senza Importanza - 1985
Il filo dell'orizzonte - 1986
I volatili del Beato Angelico - 1987
Pessoana mínima - 1987
I dialoghi mancati - 1988
Un baule pieno di gente. Scritti su Fernando Pessoa - 1990
L'Angelo Nero - 1991
Sogni di sogni - 1992
Requiem: un'Allucinazione - 1992
Gli ultimi tre giorni di Fernando Pessoa - 1994
Sostiene Pereira 1994
Dove va il romanzo - 1995
Conversaciones con Antonio Tabucchi - 1995
La Testa Perduta di Damasceno Monteiro - 1997
Marconi, se ben mi ricordo - 1997
L'Automobile, la Nostalgie et l'Infini - 1998
La gastrite di Platone - 1998
Gli Zingari e il Rinascimento - 1999
Ena poukamiso gemato likedes - 1999
Si sta facendo sempre più tardi - 2001
Autobiografie altrui. Poetiche a posteriori - 2003
Brescia, piazza della Loggia, 28 maggio 1974-2004 - 2004
Tristano muore. Una vita - 2004
Racconti - 2005
L'oca al passo - 2006
Il tempo invecchia in fretta - 2009
Viaggi e altri viaggi - 2010
Racconti con figure - 2011

IN WIKIPÉDIA

SOBRE ANTÓNIO TABUCCHI

VASCO GRAÇA MOURA


O meu amigo Antonio

Tinha falado com ele pelo telefone há cerca de duas semanas e combinado que, "um dia destes", apareceria lá por casa a fazer-lhe uma visita. "Um dia destes"... não era uma maneira evasiva de protelar a ida, mas antes a espera de uma melhor oportunidade quanto ao seu estado de saúde. E agora, é tarde demais. Num dos seus grandes equívocos de tremenda importância, a morte levou o meu amigo Antonio. E por muita consciência que tenhamos de que essa situação é irremediável e nos espera a todos, ela é difícil de encaixar na ordem natural das coisas de cada vez que nos passa por perto. Depois, é como se prosseguíssemos uma conversa informal com alguém que deixou de existir fisicamente e a quem ainda teríamos a dizer uma porção de coisas, acabando por nos dar conta de que afinal já não vamos a tempo.

Conhecemo-nos a bordo de um autocarro que se dirigia do aeroporto da Portela à Casa de Mateus. Ricardo Averini, director do Instituto Italiano e tradutor de Camões, tinha convocado uma mão cheia de especialistas italianos de literatura portuguesa para uma comemoração camoniana. Corria o ano de 1980, entretanto já esfumado pela acumulação de muitas tralhas de controverso sinal. Foi nessa viagem de lusófilos que nasceu a combinação de a IN-CM publicar a fotobiografia de Fernando Pessoa, organizada por Maria José de Lancastre, mulher de Antonio, que também seguia connosco. E foi na mesma ocasião que nasceu uma bela amizade, pontuada por muitos, importantes e generosos momentos, uma daquelas relações em que as pessoas podem passar muito tempo sem se encontrar mas, de cada vez que isso acontece, parece que ainda tinham estado juntas na véspera, a beber um copo.

Do Antonio que conheci quando vinha a Mateus falar de Camões, ao Antonio que todos conhecemos pelo muito que criticamente abordou, interpelou e promoveu Fernando Pessoa, passando pelo Antonio grande figura das letras europeias, pelo fino conhecedor da nossa literatura e da nossa língua, pelo amigo convivial de tantos autores do nosso tempo, pelo autor de quem editei livros na IN-CM, eu poderia evocar fragmentariamente muitas situações de fraternal intimidade, de Vila Real a Vecchiano, de Florença a Lisboa, mesmo quando não alinhávamos no mesmo quadrante. E lembro-me daquele que foi porventura o debate radiofónico mais divertidamente civilizado de toda a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu em 2004, ele, candidato pelo Bloco de Esquerda, eu, candidato pelo Partido Social-Democrata. O debate foi feito pelo telefone, num registo de cumplicidade amistosa e cordial em que, mais do que a divergência das propostas, havia várias convergências quanto à cultura europeia e à cidadania.

Em breve exercício de uma daquelas "poéticas a posteriori" de que ele fala algures, pode dizer-se que o Antonio cultivava uma arte da prosa dúctil, por vezes enervada e um tanto ou quanto impaciente, capaz de provocar, por isso mesmo, um sobressalto nas relações porventura pacatas entre o leitor e a realidade, e de combinar sinceridade e ironia com a perfeita e oficinal consciência delas, numa estratégia literária muito sofisticada na articulação destra dos seus processos. Por vezes tudo isso desaguava numa espécie de sobrerrealidade em que a memória vivida, o concreto das coisas, mesmo o lado aparentemente anódino delas, e também uma dimensão onírica quase imponderável se interpenetravam, desmultiplicando-se nas intensidades de um permanente efeito de surpresa.

Pirandelliano e pessoano, o Antonio tinha aprendido com Eisenstein. Reivindicava-se da montagem cinematográfica na maneira como estruturava as suas narrativas de ficção. O seu processo criativo integrava a lógica e o absurdo, explorava o paradoxo e a dúvida, mostrava o direito e o avesso, e assim combinava o sentido crítico de uma indagação e o élan de uma poética, a discreta ênfase retórica e o sermo humilis, a subtileza e a inquietação... o que talvez explique as afinidades com a galáxia Pessoa que ele ia sucessivamente reinventando e exprimindo.

Neste sentido, o Antonio quase se transformou em mais um "heterónimo", passeando a sua individualidade desassossegada por entre una sola multitudine, e levando a novos limites a experiência, decisiva em literatura, de um questionar incessante do mundo.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
04/04/12

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