30/03/2012

RUI MOREIRA

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Para grandes males, grandes remédios

Muitos anos depois, a fusão do Porto e Gaia volta à ribalta. Como o leitor se recordará, foi tema de um badalado e inconsequente almoço no Roseiral, entre Menezes e Fernando Gomes, à época presidente da Câmara do Porto, e sai agora da gaveta, mais de uma década depois.

Este jornal, que tem sido eco de tudo o que nos chega, diariamente, da outra banda, tem tratado do assunto, e o director Manuel Tavares escreveu um texto a insurgir-se contra as reservas colocadas por algumas pessoas a esta fusão, defendendo-a, porque "através de uma superior coordenação de esforços torna-se possível realizar com maior eficácia tarefas mais complexas como as de transportar, alojar, abastecer, prestar cuidados de saúde ou de educação."

Tavares tem razão quando refere os objectivos a atingir, que são, sem dúvida, desejáveis. Mas, a meu ver, engana-se quanto ao instrumento mais útil para os atingir. Em primeiro lugar, porque a fusão de cidades exige que os cidadãos se manifestem nesse sentido através de referendo. Ora, duvido que os portuenses estejam interessados nessa solução, desde logo, por razões históricas e, também, porque não estarão interessados em partilhar a dívida acumulada pela Câmara de Gaia e pelas suas empresas municipais, que é muito superior à do Porto. Duvido, também, que os gaienses aceitassem que a cidade unida se chamasse Porto. Mas, a não ser assim, a perda da marca e da identidade já conseguida internacionalmente teria um impacto muito negativo. Acresce, ainda, que o Grande Porto é constituído por essas cidades e, também, por Matosinhos, Maia e Gondomar. Sendo estas excluídas, as sinergias desejáveis não seriam plenamente atingidas.

Entendo que para atingir os desígnios enumerados por Tavares, necessário se torna criar uma autarquia metropolitana que assuma essas competências, ineficazes quando espartilhadas pelos municípios, mas sobretudo, que receba competências descentralizadas da administração central. É esse modelo de autarquia supramunicipal, que vem sendo defendida em Lisboa por António Costa, que também defendo para a nossa metrópole. Se ficarmos aquém desse modelo, estaremos a fazer uma reforma menor, de menor impacto, através de argumentos panfletários como seja a da criação da maior cidade portuguesa. De resto, prefiro que a nossa cidade, a nossa metrópole, seja a melhor cidade portuguesa e não fique aquém da reforma pensada para Lisboa.

É essa a única forma célere, legítima e democrática de criar um nível intermédio de decisão entre o poder central e as autarquias, capaz de permitir fomentar sinergias e coordenar estratégias. Acresce, ainda, que é o voto, expresso nas urnas, que concede autoridade a quem for eleito para convocar as outras lideranças políticas, económicas e sociais, que continuarão desejavelmente a existir. Essa autoridade não existe de outra forma em contexto democrático, nem pode ser reclamada por lideranças fácticas. Compreendo que o ministro Relvas, que admite que as áreas metropolitanas sejam dotadas de maiores competências, não queira aceitar a eleição directa para os órgãos executivos. É a posição recorrente dos opositores da regionalização e de quem prefere o centralismo. O argumento invocado por Relvas, em entrevista ao Porto Canal, de que se esse caminho fosse seguido daria início à luta entre os autarcas, é uma desculpa esfarrapada, que ignora o que se tem passado entre o Porto e Gaia.

Por muito que Passos Coelho tenha dito, no Palácio da Bolsa, que o Governo aposta na descentralização, e não duvidando da sua intenção, não a reconheço na sua governação. Disse-lhe, publicamente, que o Porto tem de saber abrir as suas próprias janelas, de adquirir capacidade negocial e de barganha; que é essencial, por isso, que seja dotado de estruturas políticas que correspondam a essa necessidade e que tenha um presidente com autoridade política e democrática para bater o pé a Lisboa. Que Relvas não o queira, entende-se; que haja políticos cá da terra que a isso se submetam, por questões de conveniência ou de agenda pessoal, pode ser tradicional, mas é seguramente incompreensível. 



IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/03/12


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