01/03/2012

MANUELA ARCANJO


O patinho feio


A resolução da crise das dívidas soberanas na Europa tem sido, infelizmente, um tema que reúne consenso não só entre economistas de renome mundial mas também ao nível dos lideres das economias mais ricas, dos EUA à Ásia.

E o que dizem uns e outros? Os lideres europeus têm adiado sistematicamente uma solução para o problema. Com efeito, as cimeiras sucedem-se e o "agora é que é" surge sempre como uma promessa afinal nunca concretizada.

A última reunião dos ministros das Finanças e dos governadores dos bancos centrais do G20 terminou em sintonia com o já referido antes por Christine Lagarde: sim a um reforço financeiro do FMI se e quando as instâncias Europeias derem passos inequívocos do reforço dos fundos de resgate do euro. Perante esta posição, o ministro das Finanças alemão – que já assumiu internamente o seu cepticismo sobre a eficácia do segundo regaste grego – considerou que tal intervenção constituiria um desincentivo para a Itália e Espanha. Mais uma vez, encontramos aqui o discurso alemão punitivo, mesmo com a Grécia literalmente a arder e Portugal à beira do precipício económico.

Quando as instâncias Europeias solicitaram o apoio do FMI perceberam-se diversas coisas: primeiro, não pretendiam resolver dentro de casa o seu problema; segundo, aceitavam a conhecida receita do FMI agora aplicada numa situação completamente nova, isto é, a ausência da política cambial. Donde, as muito famosas – e mal sucedidas – políticas de austeridade reforçadas com as reformas estruturais – sempre as mesmas, independentemente dos países – só poderiam originar o que economistas de prestigio mundial reconhecem e que a teoria económica explica: reforço da recessão e aumento do desemprego, queda das receitas fiscais e agravamento do défice público, maior necessidade de financiamento. Surgiram recentemente, na economia ou no discurso político também há modas, os exemplos da Argentina ou, antes desta, da Dinamarca e da Irlanda como casos de países que tiveram uma bem sucedida política de austeridade. E se em lugar de olharmos para experiências de países que tiveram não só razões específicas para as suas crises como em dois dos casos aquelas surgiram no período pré-euro, olhássemos mesmo para os indicadores económicos gregos e, com menor intensidade neste momento, portugueses?

Tem sido estranho perceber que os lideres dos Estados – membros se têm deixado "governar" apenas pela Alemanha (e seu seguidor francês); tem sido difícil acreditar que o discurso punitivo decorre apenas da necessidade de assegurar ganhos políticos internos. Sempre existiu uma outra hipótese, mesmo que no plano teórico: e se sob a capa da ajuda se pretendesse mesmo corrigir o que muitos consideraram um erro: a entrada da Grécia para a zona euro? Neste caso, tratar-se-ia de criar condições para que um dos patinhos feios da UEM retorne – em condições trágicas – à Europa da lira. Quando o nosso poder político afirma repetidamente que não somos a Grécia, há um lado de verdade mas devem ter a noção que fomos também considerados até 1999 um outro patinho feio.


Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
27/02/12


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