26/03/2012

JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS







Cumprir, não 'obedecer'...

O Governo presta um mau serviço ao País ao absolutizar o cumprimento do memorando tal como está, em vez de enfatizar a necessidade de atingir os seus objetivos, se necessário mudando-o

1. Em Portugal, ninguém responsável, que não seja pateta ou viva no reino de uma qualquer fantasia, defende hoje que se decida não cumprir o acordado com a troika, ou que não se faça o possível para o cumprir. Mas creio que também ninguém responsável, com visão de futuro, sem uma fidelidade canina às fracassadas receitas neoliberais, pode defender o obediente e passivo cumprimento integral desse acordo, caso se torne evidente (mas não se tornou já?...) que ele tem terríveis consequências sociais e impede ou dificulta um crescimento sem o qual caminhamos para o abismo.

Assim, compreendendo que Passos Coelho e Vítor Gaspar digam que Portugal vai cumprir o memorando de entendimento com a troika, até para ganhar a credibilidade, não compreendo que acrescentem - "custe o que custar". Sem sequer defender alterações exigíveis, por exemplo, face às lições colhidas da experiência grega, sem sequer tentar prolongar o prazo para atingir as metas do défice, etc. Como se o memorando fosse um fim e não um meio para o atingir. O Governo presta um mau serviço ao País ao absolutizar a obrigação de cumprir o memorando, pressupondo-se que com as medidas nele previstas, em vez de enfatizar a necessidade de atingir os seus objetivos, se necessário alterando tais medidas.

Até porque há entre elas algumas ruinosas, inadmissíveis, por exemplo no domínio das privatizações - em que o Governo, aliás, parece ultrapassar a troika. O que se está a passar de novo com o preços dos combustíveis mostra à exuberância ao que conduzem as privatizações em certos setores-chave e a aldrabice que é dizer que com a livre "concorrência" os consumidores, os cidadãos e o País ficam a ganhar. Vê-se. Como se verá, pior ainda, se forem para a frente as privatizações das Águas (inimaginável!), dos CTT e outras.

2. O País precisa, sempre e na atual conjuntura mais do que nunca, de um Presidente da República que seja uma referência moral, cívica, política, gerador de consensos e fator de estabilidade. Por isto sempre sustentei que deve ser não só respeitado como defendido, preservado, valorizado. Mas para isso é indispensável que o próprio ajude. Que, pelo menos, não se exponha em demasia e não deite achas para a fogueira para se queimar. Sabe-se que com Cavaco Silva não tem sido sempre assim. A inventona das "escutas", e tudo em redor dela, foi a conduta mais obscura e grave de um Presidente após o 25 de Abril. Agora, a acusação feita ao anterior primeiro-ministro num prefácio a um volume de intervenções, estando longe de tal gravidade, atendendo às circunstâncias é inoportuna e denota falta de visão política - por não medir as suas consequências, as reações que naturalmente produziria - ou mesmo de visão de Estado.

Mas não tinha o Presidente o direito de revelar que não fora devidamente informado pelo então primeiro-ministro do PEC IV? Tinha. E ninguém o poderia legitimamente criticar por isso - poderia era alguém do PS vir dizer, como veio, que não terá sido bem assim... O erro de Cavaco Silva é ter sido ele a qualificar, e da forma como o fez, a conduta por si imputada a José Sócrates. E ainda por cima de forma muito pesada e pouco rigorosa: dos factos apontados pelo Presidente resulta ter havido falta de informação; e ele acusa Sócrates de "falta de lealdade", que é o mesmo que deslealdade, ou seja: traição, falsidade, infidelidade, perfídia (cfr. Dicionários Houaiss e Porto Editora)...

3. Do que hoje gostaria de ter aqui falado era dos 50 anos do Dia do Estudante de 1962. Não só ou não tanto desse Dia, como de todo o movimento estudantil e associativo dos anos 60, que foram para os que nele participámos e lutámos uma fase absolutamente essencial, central, das nossas vidas, dos nossos sonhos, da nossa formação humana e cívica. E que foi também muito importante para Portugal e para que uma dúzia de anos mais tarde fosse possível o 25 de Abril. Em particular gostaria de recordar o "arranque" decisivo desse movimento, em Coimbra, com tudo o que então Coimbra e a sua academia representavam no País. Pode ser que noutra oportunidade...



IN "VISÃO"
22/03/12

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