13/03/2012

FILOMENA MARTINS


FILOMENA MARTINS
 
Álvaro a caminho do olho da OCDE
 
 
Sem querer armar em defensora dos inábeis da semana, como Marcelo Rebelo de Sousa, a verdade é que a moda mudou para "tiro ao Álvaro". E por mais erros que o ministro da Economia venha cometendo, a culpa está longe de ser apenas sua. Primeiro facto que importa sublinhar: Santos Pereira, de entre essa quota sagrada em que parecem ter-se tornado os "independentes", foi uma primeira escolha de Passos Coelho, ao contrário, por exemplo, de Vítor Gaspar. Algumas gafes e muitas armadilhas depois, está agora a ser uma vítima clara da pouca experiência política e da muita ingenuidade pessoal, mas também de falta de apoio num megaministério que exigia que lhe tivessem sido disponibilizados mais e melhores números dois e até outros conselheiros. Mas, sobretudo, sofre da erosão causada por muitos críticos internos. Abandonado à sua sorte, depois dos méritos do acordo de concertação lhe terem sido retirados e de ter ficado sem as grandes pastas, Álvaro é apenas um capataz a cumprir ordens, num Governo que optou pelo excesso de finanças e por um défice de economia. Ontem, Passos Coelho parecia um presidente de clube antes de demitir o treinador e deu-lhe um voto de confiança. O primeiro-ministro já percebeu que ou assume o erro do megaministério e o divide em dois, ou arranja uma figura que aceite as tarefas atuais que o ministro ainda desempenha. Depois mandará Santos Pereira para o olho de uma OCDE qualquer... 
As pontes de Ferreira do Amaral
O já chamado caso Lusoponte é, tão-só, uma enorme trapalhada do Ministério da Economia (outra vez). Uma trapalhada que deixa a nu várias fragilidades governativas e a suspeita de que haverá por aí muitos pagamentos duplicados e milhões perdidos que a qualquer momento se podem tornar trunfos para Francisco Louçã. Ficou claro que do que se tratou foi de uma decisão tomada sem estudo logo após o Governo tomar posse (e que até já estava prevista por José Sócrates), sob aperto da troika e da necessidade de ir buscar todos os tostões possíveis, desconhecendo os pormenores do contrato e fazendo fé num futuro acordo com a empresa. Mas como o ex-ministro das Obras Públicas de Cavaco Silva Ferreira do Amaral sabe bem como gerir negócios e crenças, o acordo ainda está por se fazer e a Lusoponte ganhou uma posição de força para negociar melhores compartidas. Ora esse, sim, é o problema que devia estar a ser debatido: o das contrapartidas de todas as parcerias público-privadas, as grandes sanguessugas do dinheiro do País. Estes 4,4 milhões são um grão de areia nos acordos entre a empresa e o Estado e uma nanopartícula de todos os contratos semelhantes desse monstro que são as PPP e que Passos tirou de cima dos ombros de Álvaro Santos Pereira para pôr às canelas de António Borges. 

CDS passa pelos intervalos da chuva

Isto não é pacífico de se afirmar, mas Alberto João Jardim tem razão. Paulo Portas tem gerido a quota de envolvimento em assuntos quentes dos ministros CDS no Governo como vem gerindo o seu ministério: com muita diplomacia e bastante economia no que a polémicas diz respeito. Portas anda a somar créditos pelo mundo, mantendo controlo apertado ao que passa dentro das fronteiras. Começa a marcar terreno na guerra das autárquicas, avançando com nomes que põem em causa as coligações com o PSD em áreas fundamentais só para avisar que está bem vivo e deixando que Miguel Relvas se entretenha com o que começou por ser uma megarreforma dos municípios e está transformado na reforma dos pequeninos: uns cortes meramente quantitativos de freguesias, que não têm em conta muitas proximidades locais, pouco contam em poupanças e nada mudam de verdadeiramente significativo. De resto, não fosse Mota Soares ter decidido mudar de cilindradas e a seca vir atrapalhar Assunção Cristas, e podia dizer-se que o CDS governativo estava mesmo a passar pelos intervalos da chuva.

As inseguranças socialistas

Foi preciso a vingança baixa e o acerto de contas com tanto de inédito como de ataque soez de Cavaco Silva a José Sócrates (por mais verdadeiros que sejam os factos, há ações que só revelam quem as pratica), para António José Seguro ver o seu partido unido. E isso está longe de ser positivo. Por um lado, a guerra PS-Cavaco só beneficia o Governo, que pode respirar por uns dias das trapalhadas da semana. Por outro, Passos Coelho até ganha argumentos para os próximos ataques ao calcanhar de Aquiles do líder do PS: a incapacidade de lidar com o fantasma do seu antecessor. Seguro não consegue deixar de olhar para o retrovisor, vendo António Costa a desbravar terreno e permitindo cada vez mais buracos numa bancada parlamentar esfrangalhada. Por mais acusações de insensibilidade social que faça ao Governo, verá sempre Passos sorrir e lembrar-lhe como herdou a austeridade e o desemprego. Por isso Seguro tem rapidamente de ultrapassar as inseguranças e decidir se é capaz de defender o legado socrático para não ver os seus deputados a aplaudir os colegas do Bloco, como aconteceu esta semana, ou assumir de vez o corte radical com o ex-primeiro-ministro refugiado em Paris mas com muitos tentáculos em Lisboa. Só assim deixará Passos a falar sozinho.

Notas

- Numa altura em que vemos procuradores trocar investigações a banqueiros por lugares nesses bancos e quando estão por sair deduções de acusação em casos em que a banca é protagonista, não há dinheiro ou crédito que pague a credibilidade de um dos pilares da Justiça. Um congresso de magistrados patrocinado já levanta dúvidas, nem que fosse pelas salsichas Nobre. Quando o é por vários bancos...
- Blasfémia, cito Salazar: "As exceções geram a anarquia." Ora Vítor Gaspar abriu a época das exceções. Depois da TAP por argumentos X, veio a CGD por razões Y. O ministro das Finanças arrisca a que nem todo um alfabeto de motivos chegue para a lista de interessados que irão bater-lhe à porta. Eis como se compromete uma imagem credível.



IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/03/12


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