21/02/2012

TOMÁS VASQUES


Gato escondido 
              com rabo de fora

Na habitação, o Estado fez um “brilharete”escondendo a miséria à custa dos proprietários dos imóveis. Daqui resultou ser mais barato comprar do que arrendar uma casa

O governo pretende alterar o regime de mobilidade geográfica dos funcionários públicos. Nesse sentido, enviou aos sindicatos uma proposta, na qual se reduz significativamente as situações em que é exigível o acordo dos funcionários para a sua transferência. Em princípio, a mobilidade geográfica num território tão pequeno como o nosso, servido por uma rede de auto-estradas de fazer inveja a países mais ricos, não devia oferecer grandes dificuldades e podia constituir, para além da racionalização dos recursos humanos do aparelho administrativo do Estado, um factor de desenvolvimento regional. Aliás, contabilizado ao pormenor, e superados alguns obstáculos, nos casos em que existem, como o emprego do cônjuge e a conclusão do ano lectivo dos filhos, a transferência de funcionários das grandes cidades para o interior, até poderia trazer ganhos de qualidade de vida, na medida em que, em regra, o índice de preços é mais baixo no interior, a começar no valor do arrendamento de habitação, passando pela poupança em dinheiro e em tempo nos transportes, e a acabar na conta da mercearia ou do talho. Além disto, os portugueses têm no seu código genético a cultura da mobilidade, adquirida por necessidade ou por engenho e arte. Há mais de cinco séculos que atravessamos todos os oceanos e fixamo-nos em todos os continentes, seja em busca do Prestes João ou de pão para a boca. Poucos são os países no mundo onde não existem portugueses a trabalhar.

Há, no entanto, um sério óbice à mobilidade interna dos funcionários públicos, e dos portugueses em geral, sobretudo quando a transferência se situa para além de uma deslocação diária, de ida e volta, o que leva à contestação e à rejeição da proposta do governo. Levámos muitos anos a desregular o mercado do arrendamento habitacional, quer impedindo o aumento das rendas, quer dificultando as acções de despejo. Na habitação, o Estado fez um “brilharete”, durante muitas décadas, escondendo a miséria à custa dos proprietários dos imóveis. Daqui resultou, sobretudo nos últimos 30 anos, uma singularidade portuguesa: ser mais fácil e mais barato comprar do que arrendar uma casa, o que levou grande parte dos portugueses a possuir “casa própria” e prestação ao banco, o que os aprisionou definitivamente a uma escolha feita num determinado momento. Esta é a principal origem da fraca mobilidade interna, agravada pela quebra da fluidez do mercado imobiliário. Qualquer mudança geográfica implica, pois, o encargo de ter de suportar o pagamento de duas casas, caso a remuneração dê para tanto.

O governo não desconhece, obviamente, esta realidade. E, por isso, ao propor a mobilidade geográfica dos funcionários públicos, na maior parte dos casos independentemente do seu acordo, tem em vista, mais do que uma distribuição racional dos recursos humanos por todo o território nacional, uma diminuição dos efectivos da Administração Pública. Hélder Rosalino, secretário de Estado da Administração Pública, começou por dar o mote: a proposta do governo, agora apresentada, revoga os incentivos à mobilidade em vigor, nomeadamente o subsídio de residência. Depois, acrescentou, na mesma declaração, que era necessário reduzir 2% dos efectivos da Administração Pública por ano, o que corresponde a doze mil funcionários. Finalmente, o vice-presidente do grupo parlamentar do CDS-PP, e porta-voz do partido, João Almeida, afirmou que os funcionários públicos “que não concordam com maior mobilidade dos trabalhadores do Estado podem negociar a rescisão de contrato”, denunciando o primeiro objectivo do governo ao apresentar esta proposta de mobilidade geográfica: forçar os funcionários públicos a despedirem-se por não terem condições para aceitar as transferências que lhes vão ser exigidas. É caso para dizer: gato escondido com rabo de fora.

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20/02/11

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