01/02/2012

RUI MOREIRA



Mais um perigo

O aeroporto Francisco Sá Carneiro (ASC) teve, no ano passado, um crescimento significativo, bastante superior à média dos aeroportos nacionais, ultrapassando mesmo o aeroporto de Faro em número de passageiros. O aeroporto, que muitos diagnosticaram como inviável, e que alguns quiseram condenar a ser um mero terminal de carga, assume-se assim como um instrumento vital para a economia da região, como uma porta aberta ao exterior, só comparável ao porto de Leixões.

Não admira, por isso, que por ocasião da visita do presidente da República ao Porto, Rui Rio tenha mostrado a sua grande preocupação quanto ao modelo de privatização da ANA, apelando a que o nosso aeroporto não seja englobado nesse negócio e lembrando já ter manifestado essas preocupações ao Governo. Infelizmente, estas declarações foram relegadas para os rodapés, ofuscadas pela última gafe de Cavaco Silva.

Há muito que me preocupo com a privatização do ASC. Desde logo, porque é natural que a um accionista privado importe mais a maximização das receitas do que o aumento do número de passageiros, passando a ser lícito perguntar, a partir daí, se o legítimo interesse privado dos accionistas corresponde ao interesse público que não se esgota nos resultados financeiros obtidos pelo aeroporto. E isto, sobretudo porque, ao contrário do que se temia, a capacidade instalada no ASC não tardará em se esgotar, pelo que o accionista privado bem pode vir a preferir moderar a procura a proceder ao investimento que será necessário para a nova fase de expansão.

Tenho, por isso, defendido que o modelo de concessões, que foi aplicado com sucesso nos portos, poderia constituir uma maior protecção para o interesse público, na medida em que os contratos dessa natureza têm cláusulas de salvaguarda que permitem garantir o investimento em função do aumento da procura e que podem determinar, também, a política de preços. Nesse caso, o Estado poderia também continuar a promover novos destinos, como tem vindo a suceder.

Ainda assim, e reconhecendo que o memorando da troika torna o cenário da privatização quase incontornável, creio que o pior dos modelos passa pela privatização da ANA "en bloc". Nessa circunstância, é provável que o accionista único de todos os aeroportos continentais portugueses opte por uma política de sinergias que pode ser perniciosa para o ASC. E, considerando que a solução "Portela + 1" é, agora, a mais provável para Lisboa - o que dá razão aos estudos que a Associação Comercial do Porto promoveu - a criação de um segundo aeroporto na capital será sempre a prioridade máxima no investimento, e deixará, por isso, que a expansão do ASC seja relegada para as calendas.

Não se esqueça ainda que o que se vier a passar não deixará de ter impacto na Galiza, onde tem havido sucessivas hesitações quanto à política aeroportuária, o que faz com que a região tenha três aeroportos (Corunha, Vigo e Santiago de Compostela), sem que nenhum deles tenha as condições e a dimensão necessária para concorrerem com o nosso aeroporto que, assim, tem um "hinterland" que atravessa a fronteira. Se, porventura, compreenderem que o ASC está a caminho da estagnação, é muito provável que essa circunstância contribua para a construção de um novo aeroporto galego que, então, cobiçará os nossos passageiros. E, se a gestão do nosso aeroporto obedecer a critérios meramente privados, é muito possível que consigam atrair algumas das "low cost" que constituem o segmento de mercado que mais tem crescido entre nós. A par da questão do porto de Leixões, a região está pois confrontada com uma outra ameaça, que pode impedir o crescimento do turismo, e afectar a sua competitividade. È imperioso, por isso, encontrar uma solução alternativa, que convença o Governo das vantagens de manter a autonomia do AFSC. Para se poder estudar essa solução, bom seria que a ANA abandonasse a sua obstinada recusa em divulgar os dados económicos e financeiros do AFSC. Talvez seja por esta exigência que devemos começar.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
29/01/12

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