26/02/2012

MANUELA MOURA GUEDES



A Casa dos Inocentes


Acompanhei o processo Casa Pia como jornalista, fui chamada a depor no julgamento por ter conhecido, durante a investigação, vários dos miúdos que se assumiram como vítimas sexuais dos arguidos e de outras personagens que não chegaram a ser acusadas.

Sofri pressões, tentativas rocambolescas de chantagem, difamação, e até a ridícula acusação de ser a autora da conspiração. Aliás, como foi com a "campanha negra" a Sócrates. O dedo voltou a ser-me apontado e, aí, directamente para o degredo de onde não saí, não vá o jornalismo ir longe demais e haver mais alguma "conspiração".

Nunca fui (fomos) desmentida. Os factos e documentos eram confirmados até não restar uma dúvida. A realidade prova-o, mas muitos anos se foram, sem que a Justiça faça justiça. Não são os juízes que a fazem lenta, são as leis feitas pelos políticos que permitem todas as manobras jurídicas aos advogados para dilatar no tempo os processos, à espera que prescrevam.

Quem tem dinheiro recorre, por dá cá aquela palha. Para suspender os efeitos de uma sentença, usa-se o Tribunal Constitucional, como se fosse um tribunal da hierarquia judicial. Mas tanto não o é, que só se exige para a maioria dos seus juízes que sejam licenciados em Direito (podem ter acabado de sair da faculdade) escolhidos pelos Partidos e com a função de apreciar se as leis estão de acordo com a Constituição.

Apesar disso, depois da condenação ontem da Relação, alguns arguidos da Casa Pia, em vez de cumprirem sentença, continuam em liberdade, à espera do Constitucional. Os juízes podem fazer como o Dr. Mário Soares, que depois de ler o livro "Inocente" de Carlos Cruz o declarou inocente. O homem de Beja já não pode escrever um livro e os crimes foram mais visíveis, mas vizinhança e conhecidos também nunca pensaram que ele fosse capaz de tal coisa. Certo é que há comportamentos que se mostram nocivos à Sociedade.

Há pessoas que são perigosas para outras e que não podem conviver socialmente. Devem ser afastadas, tratadas, criar-se mecanismos para proteger as vítimas... esse deve ser o sentido da pena para casos como estes, e quanto mais rápido actue melhor... A ideia de castigo, de vingança, é do que pior tem a condição humana, e retrata uma Sociedade.


IN "CORREIO DA MANHÃ"
24/02/12

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