06/02/2012

HELENA CRISTINA COELHO


A queda de uma classe
                           ‘low cost’


Durante anos, foram a classe dos remediados. Agora parecem uma classe sem remédio. Chegam em golfadas aos gabinetes de apoio dos sobreendividados, com a vergonha no rosto, os bolsos vazios e a mão estendida.

São o que resulta de uma classe média sedenta por ascensão social, que os levou a alimentar um estilo de vida acima do que conseguiam pagar. Muitos já têm os salários penhorados, cortam na comida para aguentar a despesa, mesmo que fora de portas continuam a agir como se vivessem em prosperidade. E não faltam sinais desse declínio. No último ano, a banca penhorou uma média de 19 casas por dia, 14 famílias por dia apresentaram insolvência e, no final de 2011, pela primeira vez em 15 meses, os portugueses cortaram nos depósitos a prazo, o último reduto das poupanças. O sociólogo Elísio Estanque - que esta semana publicou o ensaio ‘A Classe Média: Ascensão e Declínio', editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos - é tão brutal nas palavras como a realidade que descreve. Todas estas pessoas fazem parte de uma classe média "doente e em declínio", disse ao ‘Público'. E deixa o alerta: "Os poderes políticos deviam estar mais preocupados com a possível implosão deste grupo do que com a sua eventual manifestação nas ruas". Há muito que se discute e antecipa o declínio da classe média. Depois de séculos a funcionar como base da sociedade ocidental, de alimentar o ‘baby boom' e o Estado social, de contribuir para a produção industrial e riqueza das nações, a chamada classe média acabou enredada nas suas próprias armadilhas. Viciou-se no consumo e ficou refém do crédito que a deixou sonhar com o luxo de adquirir uma mala Louis Vuitton ou um fato Prada, dormir em hotéis de cinco estrelas ou viajar em primeira classe. Isto quando, na realidade, os seus recursos só lhe permitem levar uma vida carimbada por marcas ‘low cost': mobilam a casa com Ikea, enchem o carrinho de compras de lojas ‘hard discount' com marcas próprias, viajam em EasyJet. É uma revolução que, depois de alimentar as aspirações da classe média, começa agora a esvaziá-la. Só que, ao contrário do que eram as suas ambições, não há uma transferência para as classes altas - há antes uma descida à base da sociedade.

É uma massa imensa de pessoas, desiludidas, insatisfeitas, sem emprego ou recursos, que se dilata enquanto a classe média encolhe. Os remediados são agora cada vez mais pobres, cada vez mais distantes dos ricos. E o facto de esconderem essa pobreza, por vergonha ou necessidade de sobrevivência, torna-os invisíveis à sociedade. Em risco de implosão, como avisa Elísio Estanque. Uma classe média capaz de gerar riqueza tem sido a força do país. E agora corre o risco de ser a sua fraqueza.

Subdirectora



IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
02/02/12

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