03/01/2012

NINA KHRUSHCHEVA




O regresso 
         do presidente "botóxico"


Quando um czar é ridicularizado, em vez de ser tratado com profundo respeito, é hora de pensar em abandonar o cargo ou preparar-se para um golpe palaciano. O primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, que pretende encenar um regresso glorioso ao Kremlin como presidente nas eleições agendadas para Março de 2012, deveria reflectir nesta escolha.
Este ano começou com uma vigorosa (de acordo com os padrões russos) petição online exigindo que Putin seguisse a primeira opção. Mais tarde todo o país se riu dele, quando, durante a habitual visita ao patriótico campo de verão gerido pela Nashi (movimento de jovens pró Putin), demonstrou a sua destreza física ao subir uma parede de escalada e depois perceber que não conseguia descer.

Agora os russos perguntam o que aconteceu à face do seu líder. Com uma pela mais lisa surgiram rumores de que Putin pode ter aplicado botox ou mesmo ter recorrido à cirurgia plástica. As piadas não se fizeram esperar. Recentemente, durante um mergulho em Krasnodar, no sul da Rússia, Putin recuperou, miraculosamente, duas antigas urnas gregas. Os risos dos russos tornaram-se homéricos quando o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, revelou, inexplicavelmente, que as urnas tinham sido ali colocadas para dar a Putin um sentimento de importância.

Se eu não acreditasse na incompetência do estado russo, poderia suspeitar que existe uma conspiração para desacreditar Putin. Mas uma coisa é certa: Putin foi desacreditado. Após um recente combate de artes marciais entre os Estados Unidos e a Rússia, Putin, um apaixonado pelo judo, subiu ao ringue para felicitar o vencedor russo, membro do partido Rússia Unida. A audiência gritou: "Putin, vai para casa" até ele ir. A multidão parece dizer aos políticos para se afastarem dos desportos - e a Putin para sair da política.

Putin pensa que as suas proezas são essenciais para governar. Ele beijou golfinhos e bebés, salvou tigres e jornalistas, surgiu a cavalo de trono nu e a pé no deserto da Sibéria. Mas Putin, o artista, não tolera uma crítica negativa. Embaraçado pelo fiasco no combate de artes marciais, cancelou todas as aparições públicas não planeadas.

De facto, desde o incidente, Putin só compareceu em um evento - o Congresso da Rússia Unida - onde 600 delegados votaram, de forma unânime, a sua nomeação para candidato presidencial às eleições de 2012. Mas as eleições parlamentares de 4 de Dezembro, onde a Rússia Unida teve apenas 50% (normalmente o partido costuma ter cerca de 70%), tiveram que ser ferozmente controladas por um forte contingente policial. Os observadores foram assediados e obstruídos e os sites de monitorização foram encerrados ou atacados pelo governo. A missão de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa registou que "a maioria dos partidos expressou uma falta de confiança na justiça do processo eleitoral".

A extravagante vaidade de Putin destruiu, em grande parte, a imagem de homem forte que Putin levou 12 anos a construir. As proezas e os liftings narcisistas - que deram resultado com o seu amigo Silvio Berlusconi (até deixarem de dar) - não inspiram medo ou respeito entre os russos, para quem um líder com mão-de-ferro sempre foi a escolha preferida. A imagem do homem duro da política perdeu-se para sempre. É sempre difícil assumir uma aparência despótica quando nem sequer se consegue mexer as sobrancelhas.

De facto, os russos interromperam Putin não porque ele transformou a Rússia numa república das bananas industrial, onde as exportações de petróleo e outras matérias-primas sustentam um estado quase autoritário mas porque ele já não desempenha o seu papel de forma convincente. No entanto, a origem do descontentamento com Putin é irrelevante. O desejo de liberdade tem que começar em algum lado. Desde que os russos sintam que têm poder para enfrentar o regime, mesmo que apenas com risos e desprezo, há esperança na mudança. E agora que os resultados eleitorais motivaram os maiores protestos desde o colapso da União Soviética, a esperança está a crescer. Quando um czar perde a sua imagem de omnipotência, perde também a sua autoridade.

Após o longo melodrama de Putin, as opções do Kremlin para uma sequela são bastante limitadas. Todos esperam que o actual presidente, o fantoche Dmitry Medvedev, troque de papel com Putin após as eleições de Março. Mas à espera está o antigo ministro das Finanças Alexei Kudrin, que pode substituir Medvedev caso a Rússia precise de um factótum sincero sobre as reformas económicas. A reputação de calma e competência de Krudin pode permitir a Putin obter mais algum tempo no poder.

Mas aos olhos de Putin, este cenário é muito pouco provável. O antigo e futuro presidente garante que já tornou a Rússia mais forte e que, à medida que a instabilidade financeira alastra em grande parte do mundo desenvolvido, o país tornou-se numa ilha de estabilidade invejada por muitos. Talvez, mas é difícil ser um líder heróico e, ao mesmo tempo, o alvo de piadas populares.

Putin é muitas vezes comparado a Estaline, mas nos nossos dias, e à medida que se aproxima o 20º aniversário do colapso da União Soviética, ele parece cada vez mais Leonid Brejnev - o símbolo de um sistema político que há muito atingiu o prazo limite. Só lhe falta a papada.


Nina Khrushcheva, autora de "Imagining Nabokov: Russia Between Art and Politics, é professora de assuntos internacionais na The New School e membro do Instituto de Política Mundial em Nova Iorque.

* IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
29/12/11

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