13/01/2012

EMA PAULINO



A despesa não é desperdício

Não há resultados sem investimento. Cortar na despesa para eliminar o desperdício é como defender a eutanásia para ultrapassar o problema da Segurança Social

Existem termos que, apesar de utilizados de forma assídua num mesmo contexto, têm, porém, um significado em tudo distinto daquele que quem os utiliza abundantemente lhes quer dar. Exemplos disto são os termos “despesa” e “desperdício”. Despesa é todo o gasto necessário para produzir aquilo que é a missão de uma instituição, empresa ou projecto. Já o desperdício é um gasto desnecessário que existe (por vezes se esconde) dentro da despesa. Quando eliminado o desperdício, nada muda na geração dos resultados pretendidos.

É este o grande desafio autoproclamado do SNS para 2012. Tal como explicitado no título da intervenção do ministro da Saúde na tomada de posse dos dirigentes das ARS, o objectivo para o ano é “reduzir a despesa sem afectar a qualidade e a universalidade do SNS“. O que significa, portanto, e poupando muito nas palavras, “reduzir o desperdício no SNS”.

Considerando que a redução no financiamento do SNS proveniente do Orçamento do Estado em 2012 é de 753 milhões de euros, poderemos então assumir que é este o valor do desperdício na saúde em Portugal.

Presume-se, pois, que tenha sido identificado onde se encontra este desperdício, e o que falta é tão-somente enumerar as medidas que permitem obviá-lo e executar o plano de incremento de eficiência de forma coerente, envolvendo e responsabilizando todos os intervenientes. Aparentemente linear.

Mas até ao momento, as medidas implementadas são claramente de diminuição da despesa: redução do preço dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e dos medicamentos; redução das horas extraordinárias; e o corte nas despesas correntes nos hospitais. Nenhuma destas medidas tem como resultado o aumento da eficiência!

Vejamos, por exemplo, os meios complementares de diagnóstico e terapêutica. A implementação de uma estratégia que permitisse evitar a duplicação de exames seria um passo essencial na diminuição do desperdício. Em alternativa à redução do seu preço (e não questionando sequer aqui a pertinência de um eventual ajustamento), faria sentido exigir-se o investimento partilhado numa rede integrada de disponibilização de resultados que possibilitasse a visualização pelos vários prestadores de saúde, no público e no privado. A fragmentação dos cuidados prestados e a demarcação entre os sectores público e privado têm custado ao erário público milhões de euros. E, para o doente, custam muitas vezes a sua saúde.

Se, tal como afirmou Paulo Macedo, o objectivo da redução do desperdício é precisamente conseguir prestar os mesmos serviços com menos despesa, então há que proporcionar aos prestadores e utentes os recursos necessários para tal.

Quando o Ministério da Saúde anuncia que os Centros de Saúde e as Unidades de Saúde Familiar irão passar a realizar consultas para diabéticos a partir de 15 de Abril, questiono-me, portanto, quais serão as condições proporcionadas a essas estruturas para a alocação de médicos para essa consulta específica. Sem milagre de multiplicação dos profissionais, e com menos horas extraordinárias, a questão está em que percentagem se antecipa o aumento do número de utentes sem médico de família atribuído. Qual será o sucesso desta ideia, quando executada sem alocação de mais recursos? Pode bem acontecer que se esteja a criar um problema noutro ponto do sistema...

Infelizmente, talvez o nível e a tipologia da despesa que se cortou em nome da sustentabilidade venham a criar enormes constrangimentos ao incremento de eficiência. Não se podem obter resultados sem despesa, sem investimento. Cortar na despesa para eliminar o desperdício é como defender a eutanásia como forma de ultrapassar o problema da Segurança Social, das listas de espera, do custo dos medicamentos, etc.

Não se pode ser cego, sob pena de ter de largar a espada.

Farmacêutica

IN "i"
05/01/12


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