Explicação devida
As pessoas e as empresas têm direito a governar as suas vidas da forma mais conveniente para os seus interesses e desde que o façam no estrito cumprimento das leis, não têm que ser questionadas por isso. Mas uma coisa é a frieza geral e abstrata que, por definição, faz parte do DNA de uma lei e outra são as consequências que uma ação absolutamente legal pode ter sobre uma comunidade - quer no plano cívico, quer no plano moral. Estou a referir-me à deslocação da sede social da empresa Jerónimo Martins (JM), detentora da cadeia de supermercados Pingo Doce, para a Holanda, país onde beneficiará de um regime fiscal muito mais favorável. De uma forma simples, a operação permitirá que a família Soares dos Santos, detentora da maioria do capital do grupo, não seja taxada em Portugal sobre os lucros obtidos.
Acontece que a JM não é uma empresa qualquer. De acordo com o último relatório e contas, o seu volume de negócios (em Portugal e na Polónia) superou os 8,5 mil milhões de euros, emprega mais de 61 mil trabalhadores, teve lucros de quase 300 milhões de euros e pagou mais de 71 milhões em impostos. Um colosso que conseguiu, no ano passado, uma valorização em bolsa de 12%, enquanto a maioria das empresas do PSI-20 se afundava.
Mas se a JM não é uma empresa qualquer, também o seu principal acionista não o é. Nos últimos anos, Alexandre Soares dos Santos foi talvez o único grande empresário a partir a loiça e a zurzir tanto a governação Sócrates como a irresponsabilidade da classe política pela situação do País. Também não foi propriamente meigo para com os seus pares ao apontar-lhes a falta de formação e ao defender a urgência de "reorganizar toda a classe empresarial". Ao mesmo tempo que exigia que se falasse verdade aos portugueses e pedia reformas da Constituição, das leis laborais e da Justiça, lançou uma fundação para promover a cultura e as ideias, em termos inovadores.
Não se tem ouvido o líder da Jerónimo Martins desde que o Governo tomou posse. Ignora-se o que pensa do acordo com a troika, mas sabe-se que há muito defendia a entrada do FMI em Portugal. Também se desconhece a sua posição sobre as medidas que têm vindo a ser tomadas, embora muitas delas estejam de acordo com propostas há muito formuladas pelo próprio Soares dos Santos. Enfim, nas presentes circunstâncias, talvez se esperasse tudo menos este tipo de operação financeira por parte de uma personalidade que fez parte do núcleo de empresários que, ainda há pouco tempo, subscreveu um apelo à manutenção dos centros de decisão em Portugal.
Num momento grave como este, é evidente que a decisão da família Soares dos Santos é uma machadada no esforço que todos têm sido chamados a fazer para recuperar a credibilidade do País. E passa uma mensagem em tudo contrária àquela que o próprio líder do grupo ainda há alguns meses defendia, numa entrevista à SIC Notícias: "Temos que olhar para nós e perguntar o que podemos fazer pelo País." Ir para a Holanda não pode ser a resposta certa por parte de um grupo com a responsabilidade social da Jerónimo Martins. Esta não é hora para silêncios. Por tudo o que disse e em nome da frontalidade que todos lhe reconhecem, Alexandre Soares dos Santos deve uma explicação aos portugueses.
IN "VISÃO"
05/01/12
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