26/01/2012

6 . PARQUES NATURAIS PORTUGUESES

 MATA DO BUSSACO




A Mata Nacional do Bussaco é um bosque secular com árvores gigantescas, variadas, provenientes das longínquas terras de Missão. Acarinhadas ao longo de cerca de 200 anos pelos religiosos carmelitas, que ali permaneceram até à extinção das Ordens religiosas (1834). Precisamente neste ano, a 16 de Junho, todo este património é, injustamente, saqueado pelo Estado, a quem com tão grande zelo cuidou dele ao longo de gerações.



história - a simbólica do património edificado 

Classificado como Imóvel de Interesse Público, o conjunto monumental do Buçaco mobiliza uma riqueza patrimonial de excepção. Ao núcleo central formado pelo Palace Hotel do Buçaco e pelo convento de Santa Cruz juntam-se as ermidas de habitação, as capelas de devoção e os Passos que compõem a Via Sacra, a Cerca com as Portas, o Museu Militar e o monumento comemorativo da Batalha do Buçaco, os cruzeiros, as fontes (saliente-se a Fonte Fria com a sua monumental escadaria) e as cisternas, os miradouros (o da Cruz Alta oferece vista privilegiada sobre toda a região entre Coimbra e a Serra do Caramulo) ou as casas.

Na posse do Bispado de Coimbra desde 1094, a Mata foi doada em 1628 pelo então bispo de Coimbra, D. João Manuel, à Ordem dos Carmelitas Descalços para a construção do seu “Deserto” em Portugal. Iniciadas as obras em Agosto desse ano, a construção do convento e da sua cerca terminaria por 1630, altura em que começou a vida monástica regular.
O convento de Santa Cruz, construído na simplicidade exigida pela vocação eremítica do Deserto, apresenta uma planta única em Portugal: a igreja (onde se percepciona um plano dúbio entre a cruz grega e a cruz latina – através da junção do coro) domina um espaço sem claustro e com os pátios a imprimir a regularidade ao conjunto. Ou seja, nesta originalíssima ideia de usufruto espiritual é a igreja que se inscreve dentro de um “espaço claustral” simulado, recuperando a organização da ideia mítica do Templo de Jerusalém. O revestimento arquitectónico da cortiça ou o embrechado como técnica decorativa alargada ao circuito conventual traduz o espírito de despojamento adequado às práticas ascéticas dos religiosos. Dos séculos XVII e XVIII ainda permanecem obras de escultura, pintura (saliente-se a presença de Josefa de Óbidos) ou azulejaria que denunciam uma comunidade religiosa dinâmica e atenta ao sentido artístico específico dos tempos.
Em 1834 a extinção das ordens religiosas decretou o fim da presença dimo relilitas Descalços no Buçaco, embora o último religioso, António de Tomás de Aquino, aqui tenha permanecido até à sua morte em 1860.
Dentro da cerca conventual, com as emblemáticas portas, subsistem também as capelas de devoção (em planta circular ou quadrangular) e as ermidas de habitação, construídas para a vontade religiosa de reclusão. Todas elas atestam a coerência funcional num programa cerrado em torno do ideal de ascetismo e desprendimento material.
A partir de 1644, sob a égide de D. Manuel Saldanha, Reitor da Universidade de Coimbra, ergueu-se, à imagem de Jerusalém, uma Via Crucis de fortíssimos contornos ideológicos e propagandísticos, destinada a representar os passos da Paixão de Jesus Cristo. Inicialmente assinalados por uma cruz de pau-brasil, foram substituídos (1694-1695) por capelas mandadas construir pelo Bispo de Coimbra D. João de Melo. Adquirem especial relevância as estações do Pretório e do Calvário que remata o percurso da Via Sacra.
Assumindo-se como a representação do Monte Carmelo na Palestina (foco originário da Ordem dos Carmelitas), o Sacromonte reivindica quer a herança do Profeta Elias como primeiro eremita quer um protagonismo espiritual que encontra na articulação ao programa definido dentro da cerca conventual a sua mais elevada expressão.
A 27 de Setembro de 1810 a mata foi palco da Batalha do Buçaco (um dos episódios sangrentos das invasões napoleónicas em Portugal) tendo o Convento servido de base de operações ao Duque de Wellington no confronto entre as tropas luso-britânicas e francesas. Junto ao Convento ainda existe uma oliveira onde, segundo a tradição, Wellington terá atado o seu cavalo quando se recolheu após a Batalha.
O Palace Hotel (1888-1907) é considerado um dos pontos de maior interesse de todo este conjunto. Sob projecto do cenógrafo italiano Luigi Manini (1848-1936), o edifício inscreve-se no cruzamento cultural de sentido romântico e nacionalista que absorve os neos de ressonância manuelina e renascentista. Aqui trabalharam os canteiros qualificados da escola de Coimbra e aqui se formalizou a consistência plástica do revivalismo historicista que preencheria a região.
Outras contribuições vindas de Nicola Bigaglia (1841-1908), que assina a Casa dos Cedros, ou Norte Júnior (1878-1962), autor da Casa dos Brasões, pautam-se por uma plasticidade comum à generalidade do complexo edificado.

a mata - flora

A Mata Nacional do Buçaco encontra-se no extremo Noroeste da Serra do Buçaco, concelho da Mealhada, distrito de Aveiro. Possui 549 m de altitude e a sua localização geográfica confere-lhe um microclima muito particular, com temperaturas amenas, elevada precipitação e frequentes nevoeiros matinais, que favorecem a ocorrência de elevada biodiversidade. Por esta razão, nas encostas expostas a Sul sobressai uma vegetação potencial perenifólia tipicamente mediterrânica e nas encostas mais a Norte uma vegetação caducifólia, característica de clima temperado.
Actualmente ocupa cerca 105 hectares e possui uma das melhores colecções dendrológicas da Europa, com cerca de 250 espécies de árvores e arbustos e inúmeros exemplares notáveis. É uma das Matas Nacionais mais ricas, em património natural, arquitectónico e cultural, podendo essencialmente ser dividida em três unidades de paisagem: Arboreto, Jardins e Vale dos Fetos e Floresta Relíquia.

a mata - fauna

Além do misticismo, das cristalinas águas e do frondoso arboreto, a MNB encerra uma vasta diversidade de animais que muitas vezes, silenciosa, nos passa despercebida. Rodeada de monoculturas de pinheiro-bravo e eucalipto, a Mata providencia alimento, abrigo e refúgio para mais de centena e meia de espécies de Vertebrados. Entre estas, encontram-se espécies de grande valor conservacionista, como endemismos ibéricos ou espécies protegidas.
Num passeio diurno poderão observar-se e ouvir-se numerosas espécies de aves florestais, como os chapins, o tentilhão e os pica-paus, aves de rapina como a águia-calçada ou o açor (ambas espécies ameaçadas) e até mesmo aves mais tipicamente associadas a massas de água, como a garça-real e o guarda-rios. O bom tempo atrairá diversos répteis, como o lagarto-de-água, endémico, ou a cobra-de-escada e um olhar atento às linhas de água permitirá identificar anfíbios tão distintos como a salamandra-lusitânica e o tritão de ventre-laranja, dois sensíveis endemismos.
O crepúsculo revela outros sons e movimentos. São os morcegos, as raposas, fuinhas e outros animais nocturnos, como a coruja-do-mato e o mocho-galego.
A biodiversidade encontrada no Buçaco contribui indubitavelmente para a singularidade e valor patrimonial deste espaço mágico, devendo ser preservada.

história- a batalha do Buçaco

A Guerra Peninsular (entre 1807 e 1814), integrando o mais amplo acontecimento das Guerras Napoleónicas, compreende aquelas que ficaram conhecidas por invasões francesas a Portugal. Com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, em 1799, Portugal passa a ser visto como território estratégico para os interesses comerciais dos franceses sobre o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda. Portugal, juntamente com a Espanha (já aliada à França) motivada por interesses que passariam pela repartição do reino português em unidades políticas futuramente sujeitas à dupla governação francesa e espanhola, teria de se juntar ao Bloqueio Continental decretado pela França contra o Reino Unido da Grã-Bretanha. Deveria, para isso, fechar os seus portos à navegação britânica, declarar guerra aos ingleses, sequestrar os seus bens em Portugal e aprisionar todos os ingleses residentes. Ora, foram justamente estas as exigências apresentadas, em Julho de 1807, pelos representantes de França e de Espanha ao príncipe regente de Portugal e que, doravante, viriam a transformar o território português numa peça menor, embora ardilosa, na liça das ambições do imperador francês.

A Batalha do Buçaco (ou Bussaco, de acordo com a grafia de então), integrada na última das três invasões napoleónicas a Portugal (com início em Julho de 1810 e termo em Abril de 1811), foi uma das inúmeras batalhas travadas entre os exércitos francês e anglo-luso, no entanto, os antecedentes relativos à sua preparação, bem como as consequências de um só dia de confronto (27 de Setembro de 1810), elevam-na a um plano operacional de enorme conceito militar, não só pelo que ela representa nos seus termos mais objectivos – derrota das brigadas do comandante supremo Marechal André Masséna -, mas principalmente pelo que ela representou na preparação de um confronto seguinte que decidiria o enfraquecimento definitivo do invasor francês nas Linhas de Torres Vedras.  
A frustração das derrotas da primeira e segunda invasões (entre 1807 e 1809), levou a que Napoleão Bonaparte nomeasse para comandante do novo «Exército de Portugal» o marechal André Masséna, um dos mais reputados marechais franceses a quem Napoleão chamou «o filho querido da victoria» . Foi justamente sob as ordens deste marechal, e com o maior exército dos que já tinham invadido Portugal (efectivo total de cerca de 65.050 homens) que se deram os confrontos no Buçaco entre o exército anglo-luso (organizado em Divisões, somava cerca de 61.452 homens) comandado pelo Tenente-General Arthur Wellesley, Visconde de Wellington e futuro duque de Wellington, e os Corpos das brigadas francesas, de entre os quais o 8º corpo militar organizado pelo experiente General Andoche Junot, Duque de Abrantes.

Para avançar sobre Portugal, foi necessário dominar a Praça Forte de Almeida afastando a Divisão Ligeira de Craufurd. O Combate do Côa, a 23 de Julho de 1810, foi o primeiro confronto em território português entre as forças de Wellesley e os franceses, terminando na retirada do Brigadeiro-General Robert Craufurd. A este último, e com o objectivo de chegar o mais rapidamente possível a Lisboa, seguir-se-ia Coimbra com passagem por uma excelente posição defensiva entre Penacova e Luso, isto é, o Buçaco. Ora, Masséna, depois do Cerco de Almeida, retomou a marcha a 15 de Setembro de 1810 rumo à íngreme Serra do Buçaco, com cerca de 15km de comprimento, onde já o aguardava, determinado, o General Wellesley, a quem destinaram o melhor quarto do Convento, com duas portas , onde haveria de pernoitar. Do dia 21 ao dia 27 de Setembro, foram muitas as diligências militares observadas pelo general Wellesley que, segundo o testemunho de fr. José de S. Silvestre , se levantava bem cedo, «pelas 5 horas da manhã, pelas 7 sahia a rever o campo e o exercito, e pelas 4 da tarde é que se recolhia, [depois de prender o seu cavalo à oliveira que ainda hoje se encontra plantada em frente ao convento - a chamada Oliveira de Wellington -] e pelas 5 jantava».

 Observando o mapa em baixo, rapidamente se compreendem os trilhos militares organizados para a defesa do Buçaco. Entre Carvalhal e Casal - o itinerário mais próximo do rio Mondego; entre S. Paulo e Palamases; entre Santo António do Cântaro e Palheiros; e, finalmente, o itinerário principal que liga Mortágua a Coimbra, passando por Moura, e de onde chegariam as brigadas francesas. Foi precisamente este último trilho o escolhido pelos corpos de brigadas napoleónicos, encabeçados, respectivamente, pelo Generais Jean-Louis Reynier e Andoche Junot, bem como pelo Marechal Michel Ney, Duque de Elchingen. Do lado dos aliados (mapa), todo o exército se colocou em linha, no cume da Serra, reforçando-se, do mesmo modo, a Porta Sula (alinhada com o convento) nela se organizando uma bateria a fim de, imediatamente, atacar o inimigo logo à entrada. Considerando-se a Porta Sula um ponto estratégico de defesa, as divisões anglo-lusas alinharam-se ao longo da mesma fazendo baterias mais a Norte, onde actualmente se ergue o Obelisco, assim como, numa outra posição de defesa, demais baterias onde actualmente se encontra o Museu Militar. 

No dia 26 de Setembro, vindos de Mortágua para Coimbra, os franceses avançaram até às vizinhanças de Moura acabando por entrar pela Porta Sula; dava-se, deste modo, o início de uma batalha sangrenta que não só retardaria a chegada do exército francês a Lisboa como, também, garantiria mais tempo a dedicar ao reforço das Linhas defensivas de Torres Vedras. Um resultado de cerca de 5000 baixas para os invasores e cerca de 1300 baixas para os aliados anglo-lusos, a Batalha do Buçaco passaria a significar, na História da nação portuguesa, um exemplo fulcral de táctica defensiva em contexto militar. A retirada das brigadas francesas deixou para trás um campo de batalha devastado e abandonado à caridade dos religiosos do convento que tudo fizeram para socorrer os feridos de guerra, tanto portugueses, como ingleses, mas também franceses, não se poupando a esforços de acolhimento dos soldados na Capela da Almas  onde foram devidamente tratados e alimentados. A invasão, essa, prosseguiria em direcção a sul, onde o invasor, já bastante debilitado, haveria de encontrar as Linhas (de Torres Vedras) que poriam um travão definitivo à intrepidez do Marechal Masséna bem como à consistência militar dos exércitos desmoralizados de Napoleão Bonaparte.

IN " FUNDAÇÃO MATA DO BUSSACO" 
http://www.fmb.pt/index.php?paggo=mostra.php&menu=338

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