01/12/2011

RUI RANGEL


Saber comunicar

A Justiça continua a dar um sinal de si própria: muito pobre e doente. Convive com os truques e as constantes fugas de informação. Os autores da Justiça, juiz, Ministério Público, advogado, funcionário judicial e Polícia Judiciária, têm de ser os responsáveis pela violação do segredo de justiça e pela prática do crime de violação desse segredo, porque são poucos os que lidam com um processo em segredo de justiça.

A malha do conhecimento é ainda mais apertada em casos muito mediáticos, daí que não se justifique o espectáculo vergonhoso que é dado sempre que é realizada uma busca a casa de um arguido conhecido. Alguém, daquele circuito de conhecimento restrito, informou os jornalistas de que a busca se ia realizar naquele dia e hora. E depois não querem que a comunicação social faça o seu trabalho.

A busca é marcada e, logo, comunicada ao jornalista, que assim tem conhecimento deste acto processual, brutalmente invasivo da privacidade das pessoas, antes mesmo do próprio indiciado saber. Devia existir uma cultura de mais respeito pela posição processual do indiciado ou do arguido. A sua dignidade humana deve ser respeitada porque ainda é considerado inocente. Nestas condições, o juiz não devia realizar a busca e o arguido devia poder não autorizar a entrada em sua casa dos justiceiros, que são filmados de meio corpo, com uma mala na mão, ao bom estilo dos horrores que a Justiça já produziu noutras épocas. Que espectáculo degradante! Chamam-se os jornalistas para certificar publicamente o acto e depois, numa atitude de pura hipocrisia, dão um ar de senhores respeitáveis que não prestam declarações e que até se sentem incomodados com a presença das câmaras de televisão.

Os justiceiros que assim procedem contribuem para o linchamento público da pessoa que tem direito a uma busca feita em silêncio e no recato da soberania e das virtudes ética e morais da Justiça.

O crime mora dentro do sistema judicial. A confusão é tanta que até sonhei que as fugas cirúrgicas de informação são pagas pelo acto e pela importância do processo. Mas se calhar o meu sonho não é realidade. E não adi-anta abrir mais inquéritos para ficar tudo na mesma. É preciso ir mais fundo e produzir resultados que punam, de forma exemplar, o criminoso pela prática do crime de violação de segredo de justiça. Quando tal acontecer, a Justiça será resgatada do pântano em que se encontra.

A Justiça teima em não comunicar o que faz. É preciso saber comunicar. Comunicar bem, explicando o que está em causa e o que foi feito, sem violar o segredo de justiça. Quando esta cultura de comunicação entrar nas cabeças duras dos responsáveis da Justiça e dos justiceiros, a violação do segredo de justiça (o fruto proibido) deixa de fazer sentido.


IN "CORREIO DA MANHÃ"
24/11/11

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