21/12/2011

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA



Hitchens e o Iraque

O destino tem muita força: Christopher Hitchens morreu um dia antes da retirada das últimas tropas norte-americanas do Iraque.

Um dos maiores intelectuais anglo-americanos da sua geração, Hitchens cortou a sua ligação à esquerda por causa dos ataques do 11 de Setembro e da guerra do Iraque. Anunciou mesmo ao mundo: "já não sou de esquerda".

De certo modo, limitou-se a seguir a trajectória de muitas pessoas inteligentes e sensatas: da esquerda para a direita (há um exercício que nos diz muito sobre a direita e a esquerda: comparem as pessoas que vão da esquerda para a direita e as que vão da direita para a esquerda, e depois tirem conclusões). Mas, como todos aqueles que vivem permanentemente enamorados de si próprios, Hitchens achava que, se acontecesse consigo, um acontecimento normal tinha uma importância extraordinária. No entanto, até ao fim da sua vida, não parou de surpreender. Enfrentando a morte, pela primeira vez, não se considerou extraordinário. Interrogando-se, perante a doença incurável que o atingiu, "porquê eu?", logo a seguir respondeu com uma nova questão "porque não eu?"

Publicamente, Hitchens nunca recuou no apoio que deu à guerra do Iraque. Aqui, discordo da sua posição. Por mais que custe admitir a quem apoiou a guerra, a incompetência norte-americana,os erros e as graves violações humanitárias cometidas pelas suas forças, foram profundos e inaceitáveis. Mas há um ponto essencial onde Hitchens esteve certo: o ataque à "esquerda reaccionária" - nas suas palavras memoráveis - pela posição que tomou perante os ataques do 11 de Setembro, o radicalismo islâmico e o Iraque.

Hitchens nunca conseguiu perdoar aqueles que na esquerda estão sempre ao lado de quem estiver contra os Estados Unidos. Foi essa esquerda que ele combateu durante os últimos dez anos da sua vida. No fundo, ele percebeu que alguma esquerda continua a ser intelectualmente totalitária, incapaz de dar à liberdade o valor que Hitchens sempre deu. Tendo emigrado para o outro lado do Atlântico nos anos de 1980, conhecia muito bem os defeitos da sociedade norte-americana. Mas sabia que, nos Estados Unidos, a liberdade é um bem supremo.

E também sabia que os inimigos dos Estados Unidos são quase todos inimigos da liberdade. A verdade é que, apesar dos muitos erros cometidos, as tropas americanas deixaram um Iraque mais livre.

No dia 15 de Dezembro, morreu um homem que soube ser livre durante toda a sua vida. Uma qualidade tão difícil como rara. E por isso um exemplo para todos nós. Sem eles, as nossas sociedades deixarão de ser livres, mesmo que continuem a ser democráticas.


Professor universitário

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
19/12/11

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