18/12/2011

ANA SOUSA DIAS



As famílias normais

Uma das certezas que o Porto nos dá é que, se passarmos os portões de Serralves, vamos ter umas belas horas pela frente. Há coisas garantidas: o parque, a arquitectura, o ambiente, a livraria, a loja, o restaurante, e há as surpresas das exposições.

O que lá está agora são a pintura e o desenho do português Eduardo Batarda (até 11 de Março) e as fotografias do alemão Thomas Struth (até final de Janeiro), totalmente diferentes entre si mas com aquela qualidade que nos põe a olhar, a pensar, a demorar.

A visita é ajudada por textos cuidadosos que nos dão chaves para a leitura das obras, e muitas vezes é animada pelas crianças das escolas que são presença habitual naquele espaço maravilhosamente feito de branco, madeiras claras e luz.

A exposição retrospectiva de Eduardo Batarda precisa de tempo, de atenção ao pormenor, e o título é feito da ironia que marca a obra do pintor - "Outra vez não" - retirado de um quadro que é uma variação sobre um tema, como um exercício musical feito de cores e palavras. Literalmente musical numa das salas, com uma selecção deliciosa de canções. Divertido, cortante, trabalhoso e a propor-nos que pensemos sobre o assunto.

Ao lado, estão as fotografias de Struth, imagens captadas em florestas densas ou em ruas desertas, em monumentos e museus ou em laboratórios científicos. Ou em casas de famílias que não posso classificar de anónimas porque todas estão identificadas. Direi antes: famílias normais, mas quando escrevo esta expressão penso que não serve para nada.

Faltam poucos dias para o Natal, os dias correm com uma rapidez aflitiva, e a palavra família é a que associo imediatamente a esta data. Desde pequena que é assim, com mudanças que os nascimentos e as mortes impõem, e tenho pena de não ter registado em fotografias todos os natais da minha vida, uma espécie de catálogo do correr dos dias, dos anos, das gerações.

As famílias portuguesas, dizem os dados do INE e todos os sentimos e presenciamos, mudaram muito nos últimos 50 anos. Também isso apareceria nas fotografias que não fiz, a variação desde os tempos dos casais para sempre, com avós, pais, tios, irmãos, muitos primos a partilhar aventuras, roupas e segredos.

Nas fotografias que Thomas Struth fez com famílias de países muito diversos, tudo isso lá está, no enquadramento e na organização que cada uma escolheu de frente para a câmara, na posição das mãos e dos braços, nos corpos mais tensos ou mais confortáveis, nos olhares fixados na lente, no número de pessoas de cada núcleo.

Famílias normais, como as nossas. O que será uma família normal?



IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
16/12/11


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