08/11/2011

NUNO GAROUPA



A direita 
    e a esquerda em crise

(1) Quando rebentou a crise financeira nos Estados Unidos em 2007, muita opinião publicada em Portugal (e não só) celebrou o fim do neoliberalismo, o muro de Berlim da direita intransigente, o regresso do Estado keynesiano como motor de uma economia social de progresso. Passaram quatro anos. O neoliberalismo continua aí bem vivo. A esquerda, essa sim, levou com um segundo muro de Berlim em cima. Começou por ser fustigada na Europa do Norte (a reeleição do incompetente Sarkozy em 2012 ou uma nova maioria para a pior chanceler da Alemanha do pós-guerra em 2013 será já uma maldade). Na Itália, a esquerda não consegue ganhar ao rei da palhaçada que entre contínuos escândalos, corrupção e laxismo assumido lá vai estando. Em Portugal, foi a sova eleitoral que se viu em Junho. A mais sólida maioria de direita de sempre, um PS em queda livre, um BE minguado. Agora chegou a vez da Espanha. Depois de 20 de Novembro, a direita espanhola terá a maior concentração de poder desde o franquismo. Uma mais que provável maioria absoluta (PP sozinho ou com as direitas nacionalistas da Catalunha, do País Basco, das Canárias, das Astúrias e de Navarra) ao lado de governar dezasseis das dezoito regiões (com os socialistas em risco de perder o País Basco e a Andaluzia já na Primavera). A herança de Zapatero (aquele líder que a esquerda do PS tanto admirava) é a pior crise do seu partido e do seu país. Como dizia o editorial do El País, gritámos não nos falhes naquela noite eleitoral de Março de 2004, e evidentemente que falhaste.

(2) A profunda crise da esquerda social-democrata é fácil de entender. Depois da queda do muro de Berlim, em 1989, a terceira via descobriu a receita perfeita para ganhar eleições. Vamos construir o Estado social sem custos para os eleitores. Pagam as próximas gerações porque, no fundo, elas também vão beneficiar do Estado social. Como quem paga não vota e quem vota não paga, este esquema é uma maravilha para ganhar eleições. Acontece que para antecipar a riqueza das gerações futuras afim de pagar a factura do Estado social já, precisamos de mecanismos financeiros complexos. Logicamente o endividamento público e privado surgiu como a forma mais rápida de resolver essa questão.

Quando rebentou a crise financeira, a esquerda social-democrata não percebeu que o seu esquema maravilhoso, que tanto poder lhe deu na Europa, que tantas eleições ganhou, estava agora condenado a um rotundo fracasso. O Estado social já não pode ser pago por gerações futuras porque o mecanismo intermediário desapareceu e, por consequência, tem que ser pago pela geração actual. Claro que os eleitores não gostaram da ideia. E a retórica do anti-neoliberalismo, dos malvados especuladores, dos mercados financeiros sem preocupações sociais é inconsistente com uma governação socialista que se limita a fazer o que ordenam os interesses económicos e a senhora Merkel.

(3) A direita foi a grande beneficiária de uma crise que os especialistas e comentadores diziam ser sua e das suas políticas. Contudo, é preciso não esquecer que o motor desta crise foi um má regulação de mercados durante década, em especial os mercados financeiros. Não foi a crença em mercados eficientes ou a ausência de um Estado regulador que nos levou até aqui como dizem certos economistas. O que está na génese desta crise é, na verdade, um Estado fortemente regulador, mas ao serviço dos interesses privados. Não é falta de Estado na economia, mas um Estado capturado por interesses económicos, onde a fronteira entre o regulador e o regulado não existe (em Portugal, de modo gritante, como se viu com a CGD em Julho último). Ora o que podemos ver é que a direita, uma vez no poder, tem sido incapaz de desmantelar a rede de conluios e interesses privados que tomou conta do Estado regulador. Essa vai ser a verdadeira crise da direita. Até agora prisioneira dos seus próprios compromissos.

(4) Desde fora, a discussão do Orçamento de 2012 é de quem não entende a situação muito complicada em que está Portugal. As opções do Governo podem ser péssimas, inconstitucionais, injustas, economicistas, foribundamente neoliberais. Mas do lado de quem critica ainda não se viu o orçamento alternativo dentro dos compromissos assumidos pelo Estado português. Uma possibilidade, claro está, é romper esses compromissos e pagar as consequências com a miséria alheia. A outra é acreditar no Pai Natal. Mas até que nos mostrem o tal orçamento alternativo, a oposição ao Orçamento de 2012 é pura e simples demagogia, a mesma que trouxe Portugal ao "buracão" sem futuro em que está metido.


Professor de Direito da University of Illinois

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
03/11/11

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