24/11/2011

FILOMENA MARTINS

FILOMENA MARTINS

Duarte Lima e o espectáculo da justiça

A detenção de Duarte Lima foi absolutamente lamentável. Reveladora do pior que tem a nossa justiça e a nossa investigação. A vários níveis. É claro que não me refiro ao conteúdo, aos motivos que levaram à decisão do juiz Carlos Alexandre, que parecem estar mais do que justificados. Refiro-me à forma como tudo se processou, ao comportamento e às explicações dos vários protagonistas.
O caso BPN deveria ter sido apenas e só um caso de polícia, uma investigação a uma megaburla. Por alegadas razões conjunturais - a crise e o medo de contágio a todo o sistema bancário -, e, obviamente, políticas - pelas várias figuras de relevo que envolve -, transformou-se num processo económico que vai custar aos portugueses, e ao País, cinco mil milhões de euros (mais do dobro do que o Estado vai arrecadar com o corte dos dois subsídios à função pública). E tanto é assim que, desde 2007, a investigação ainda só conseguiu levar a julgamento um arguido famoso.
Agora, apesar de há mais de três anos Duarte Lima ser suspeito de contribuir para esse megaburaco do BPN em cerca de 50 milhões, o processo não avançou porque a justiça portuguesa o considerou urgente mas sim por pressão do Brasil, que no mesmo período de tempo reuniu provas para o acusar de um outro crime, o de homicídio. Incapaz de decidir como investigar um português suspeito de matar uma portuguesa num outro país, optou por uma saída "à Al Capone", que deixa todas as suspeitas no ar.
Por fim, alguém no processo avesso a causar surpresas desagradáveis convocou os media, que transformaram a detenção num episódio de novela barata, e deu tempo a Duarte Lima para tratar das provas e da sua defesa. Como se não bastasse, o procurador- -geral da República ainda confessou publicamente que não tem mão na sua gente, ao lamentar não ter sido respeitado o seu pedido de secretismo e contenção, e até a ministra da Justiça mostrou desconhecer as leis da extradição.
Este é apenas o último episódio da desacreditada justiça nacional. Que prefere dar espectáculo em vez de ser espectacular. Absolutamente lamentável, repito.
Os sorrisos de Gaspar
É impossível ficar indiferente a Vítor Gaspar. O ministro das Finanças é o elemento mais desarmante deste Governo e acaba de provar que é político além de técnico de estilo professoral. Por isso não faltará quem o adore e quem o odeie. Para já, e ao contrário do seu colega da Economia e de o momento não aconselhar gargalhadas despudoradas como a da imagem, não lhe faltam motivos para sorrir. Viu o Orçamento ser aprovado por larga maioria, ouviu elogios da troika, dialogou cortes com um irreconhecível e calmíssimo Jardim, e até tem os banqueiros, após a pequena vitória no timing para o refinanciamento da banca, temporariamente satisfeitos. Se somarmos a isto o facto de ter encostado à parede um PS, que refém da sua assinatura no memorando se mostra impossibilitado e incapaz de apresentar alternativas concretas, não há gaffe de Passos Coelho que lhe retire a boa disposição.
A comissão do costume
A comissão de estudo para o serviço público já nasceu torta. Ainda nem tinha feito a primeira reunião e já o ministro Miguel Relvas anunciara todas as intenções do Governo para a RTP, fazendo questão de as pormenorizar semana após semana, e esvaziando todo o trabalho encomendado aos comissários. O resultado que agora foi conhecido não passa pois de um nado-morto, que fez três baixas pelo caminho e nem ao Governo agradou, com a agravante de trazer para o debate uma polémica que tem tanto de estéril como de preocupante: a proposta de redução e o controlo da informação, cujo exemplo extremo é colocar os Negócios Estrangeiros a mandar na RTP Internacional. Eis pois apenas mais um exemplo de uma comissão que não serve para nada, a não ser fazer perder tempo. Felizmente parece que desta vez pelo menos não se perdeu dinheiro.
Dos buracos aos remates
Francisco José Viegas descobriu despesas ilegais de cinco, seis milhões na Cultura. Paulo Macedo revelou que, apesar dos cortes, o seu Ministério da Saúde vai chegar ao final de 2012 com um défice de 200 milhões, tal o montante de desvios descobertos e de dívidas por pagar. Miguel Relvas viu confirmado que o Estádio Nacional tinha facturas escondidas e contas por liquidar de mais de seis milhões. Do buraco da Madeira e das empresas de transportes já todos sabemos (saberemos?) os montantes. E não há dia em que não se descubra mais uma extravagância de uma empresa ou de um gestor público, os tais que ninguém sabe ao certo quantos são. Não vale a pena disfarçar: o estado a que chegámos e de onde não será fácil sair é pior do que o relvado onde a selecção jogou na Bósnia. Valha-nos o futebol: apesar de alguns sustos, Portugal estará no Euro 2012, a sua sétima fase final consecutiva, com grande mérito para Paulo Bento, que conseguiu corrigir o chorrilho de erros cometidos por Carlos Queiroz e a asneira de quem o escolheu. Infelizmente, ao País não bastam os remates geniais de Ronaldo, Nani e C.ª.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
19/11/11


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