17/11/2011

ANTÓNIO PEDRO VASCONCELOS

   
     Das Duas Uma

Paulo Bento é uma das personalidades que anda por aí a vender aos portugueses a Boa Nova: para o ano, mais exactamente a partir de 26 de Abril de 2012, os portugueses vão ter em casa a TDT.

Entre outdoors, anúncios na TV e uns folhetos distribuídos por carrinhas que andam pelo país a espalhar a notícia, o seleccionador nacional avisa as pessoas que, se não tiverem uma box, vão deixar de poder ver os jogos da Selecção Nacional. Ora, Paulo Bento não é uma pessoa qualquer. Como seleccionador nacional é ele que tem a responsabilidade de nos apurar para o próximo europeu de futebol. Para isso, o país da Europa que se mantém há mais tempo com as mesmas fronteiras (nós) vai defrontar nos próximos dias 11 e 15 deste mês a selecção do país mais recente da Europa (a Bósnia Herzegovina).

E, num momento em que, depois de termos aderido à UE e de termos abdicado da moeda e de outros instrumentos de soberania, Portugal se prepara para se desfazer das águas, dos transportes e da TV pública, restam-nos dois símbolos que nos dão a ilusão de que mandamos dentro das nossas fronteiras: o hino e a bandeira. Ora, que eu me dê conta, só nos jogos da selecção nacional é que há ainda esse frémito de patriotismo, naquele momento solene que antecede o jogo, em que o público canta em coro o hino nacional e se agitam as bandeiras nas bancadas do estádio. O que significa que, se não formos apurados, vamos ficar privados, pelo menos até ao próximo mundial, desse consolo que nos dava a ilusão de sermos um país independente.

É POIS o homem sobre cujos ombros recai essa responsabilidade que anda a prometer a TDT aos portugueses, numa mensagem que parece uma boa notícia mas que, de facto, é uma ameaça. Porquê? Porque, no estado actual (e não se vêem sinais de que, daqui até lá, com excepção da ameaça de entregar a RTP1 a um privado, alguma coisa se altere), a TDT, que podia abrir perspectivas de oferecer novos canais, é apenas uma transferência tecnológica pela qual os portugueses que não têm cabo, nem satélite, nem fibra óptica, nem outros sistemas de aceder à televisão, vão ter que pagar, pelo menos, entre €30 e €44 euros para poder receber em suas casas os programas das quatro estações generalistas. Se contarmos que há mais de 5 milhões de lares e que, desses, menos de 3 milhões têm TV por assinatura, isso significa que, para receber exactamente os mesmos quatro canais que recebiam até agora, cerca de metade dos lares vão ter que pagar uma box se quiserem continuar a ver televisão. Se acrescentarmos que existe uma média de 2,4 televisores por lar, isso quer dizer que há muita gente sem posses que vai ter que escolher entre desembolsar €100 euros ou ter que ir ao café se não quiser ficar privado do seu hábito quotidiano de se sentar à frente da caixinha que mudou o mundo entre a hora de jantar e de deitar. Se isto não é abuso, incúria e desperdício, então o que é?


IN "SOL"
08/11/11

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