24/10/2011

MARIA ANTÓNIA TORRES



"O" Orçamento

Ao analisar esta proposta de Orçamento de Estado para 2012, imediatamente identifiquei duas grandes diferenças face aos outros orçamentos de Estado que fui analisando ao longo dos últimos anos.
Ao analisar esta proposta de Orçamento de Estado para 2012, imediatamente identifiquei duas grandes diferenças face aos outros orçamentos de Estado que fui analisando ao longo dos últimos anos. As medidas apresentadas na generalidade das matérias, e concretamente em sede de IRC e de benefícios fiscais, são não só em número reduzido, como também não colocam grandes dúvidas quanto à sua interpretação. Cheguei quase a sentir falta das longas discussões por causa do sentido de uma única palavra ou, melhor ainda, por causa da sua colocação dentro ou fora de vírgulas.

Na realidade, entre os constrangimentos decorrentes dos compromissos assumidos com a Troika, e que temos que honrar no curto prazo, e o facto de nos últimos anos quase todos os regimes especiais e benefícios fiscais terem sucumbido às necessidades orçamentais do Estado, as medidas possíveis não eram já muitas e eram relativamente previsíveis.

O IRC volta a ter uma taxa nominal única de 25%, dado que desaparece a taxa de 12,5% actualmente em vigor para empresas com matéria colectável até € 12.500. As grandes empresas vêem agravada a sua tributação através do incremento da ainda recém-criada taxa de solidariedade. À taxa actualmente em vigor de 2,5% aplicável sobre a parte do lucro tributável superior a 2 milhões de Euros, suceder-se-ão duas taxas: uma taxa de 3% sobre a parte do lucro tributável superior a 1 milhão e meio de Euros e até 10 milhões de Euros e uma taxa de 5% sobre a parte do lucro tributável que exceda os 10 milhões de Euros. Estes dois escalões encontram-se reflectidos também nas regras de cálculo dos pagamentos adicionais por conta, sendo aplicável uma taxa de 2,5% sobre a parte do lucro tributável superior a 1 milhão e meio de Euros e até 10 milhões de Euros e uma taxa de 4,5% sobre a parte do lucro tributável que exceda os 10 milhões de Euros, sempre por referência ao período de tributação anterior. A estas novas regras é dado carácter temporário, sendo aplicáveis exclusivamente aos dois períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2012.

A acrescer a isto, e ainda com impacto ao nível da taxa de IRC, há a revogação, já muito anunciada, do regime da interioridade.

O período de reporte de prejuízos, tema muito debatido nas semanas que antecederam este Orçamento, e ao contrário daquilo que se esperava, vê-se alargado de 4 para 5 anos, muito embora introduzindo-se um limite à dedução, por exercício, correspondente a 75% do lucro tributável apurado.

Nem todas as medidas foram de agravamento do actual regime fiscal em sede de IRC e Benefícios Fiscais. Numa perspectiva que julgo ser mais alinhada com as necessidades do nosso país em termos de competitividade fiscal (elemento fundamental para o crescimento da economia e promoção do investimento num mercado aberto) entendeu-se manter o regime de isenção de mais-valias aplicável às SGPS. No mesmo sentido, propõe-se a manutenção dos benefícios fiscais relativos à reorganização e reestruturação de empresas, operações que se prevê aumentem de número nos próximos anos e que podem vir a ser caminho essencial para a regeneração do tecido empresarial e de alguns sectores em particular que necessitarão de consolidação.

A investigação e desenvolvimento empresarial, geradora de inovação, essencial designadamente para o aumento de exportações de que tanto se fala, mantém-se suportada pelo SIFIDE II e o investimento continua também a beneficiar de um regime fiscal de apoio - o RFAI prorrogado agora até 31 de Dezembro de 2012. Por fim, mantém-se o benefício para as empresas que efectuem criação líquida de postos de trabalho.

E acredite, em sede de IRC e de Benefícios Fiscais, não há muito mais a reter.

Conforme facilmente se depreende, apesar do número reduzido de medidas e da relativa simplicidade das mesmas, este é um orçamento de grande impacto. Como alguém me dizia, é "O" orçamento.

Os resultados necessários no curto prazo para termos capacidade de cumprir os compromissos assumidos não deixaram grande margem de escolha senão pela implementação de medidas que no curto prazo sejam geradoras de receita.

Ainda assim, neste orçamento está reflectida, embora de forma constrangida pelas circunstâncias, alguma preocupação com a competitividade das nossas empresas, com a criação de emprego e com o absolutamente crítico crescimento da economia. Há com certeza a consciência plena de que o falhar deste objectivo pode pôr por terra todo o esforço que possamos fazer no curto prazo.

Estou convicta que, para além das medidas fiscais acima referidas (SGPS, Reorganizações, SIFIDE, RFAI, etc.) outras medidas não fiscais introduzidas por este Orçamento, como sejam o prolongamento do horário de trabalho e as outras alterações ao nível da legislação laboral (algumas já analisadas e pedidas há mais de uma década pelas empresas) vão contribuir para a superação, no mais breve prazo possível, deste período muito difícil que se avizinha.

Penso que, assimilada que esteja a dureza das medidas introduzidas por este Orçamento de Estado para 2012, a nossa atenção necessariamente voltar-se-á para o rigor e para a capacidade que vierem a ser demonstradas na sua execução, ansiosos que já estamos, ainda antes da sua entrada em vigor, que este Orçamento passe à história, e descrito na dita como o momento zero de uma espiral de crescimento sustentado para Portugal.

P.S. Ao escrever este artigo no computador das minhas filhas, enquanto tentava suportar os segundos que decorriam entre o teclar e o aparecimento de cada letra no ecrã, não pude deixar de pensar que, de facto, este orçamento implica que todos tenhamos que fazer algum ajustamento em baixa, maior ou menor, no nosso actual nível de vida. Este artigo foi já escrito em registo de downgrade informático.

PwC Tax Partner

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
 20/10/11

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