25/10/2011


HOJE NO
"i"

Enfermeiros vão ter tarefas de médicos nos centros de saúde
Governo quer alargar competências dos enfermeiros para fazer face à falta de médicos de família

O governo vai resolver o problema da falta de médicos de família nos cuidados primários dando mais competências aos enfermeiros. Neste momento há 5478 especialistas em medicina geral e familiar nos centros de saúde e noutras unidades de proximidade do SNS, menos mil do que seria desejável. Segundo um estudo da Administração Central do Sistema de Saúde sobre as necessidades actuais e futuras de médicos no SNS, a que o i teve acesso, o cenário não vai melhorar e obriga a uma outra solução: até 2020 o número de médicos de família a seguir para a reforma não vai parar de aumentar. Os médicos em formação também não são suficientes: o sistema só terá capacidade para formar 3543 novos especialistas, prevendo-se um défice entre 314 e quase 2 mil médicos, se se tiverem em conta os rácios europeus.
Só este ano aposentam-se 196 médicos de família. Em 2020, segundo as estimativas da ASST, serão 712 a deixar o Serviço Nacional de Saúde. Do lado das entradas, os números são mais modestos. Se para o ano ainda são esperados 260 novos especialistas (e a saída de apenas 60), em 2013 a torneira fecha: não está previsto o fim do internato nesta especialidade de nenhum médico. E reformam-se mais 68. Desde 2007, quando o país esteve mais próximo de atingir a meta dos 6444 médicos de família – com uma lacuna de apenas 156 –, já abandonaram o Serviço Nacional de Saúde 810 médicos de família. Mas não são estes os únicos profissionais em falta nos cuidados primários: faltam especialistas em saúde pública e, segundo a ACSS, a formação actual “não revela capacidade para atingir sequer a reposição em 2020 do número de profissionais existentes em 2007”.

Solução Segundo apurou o i, os enfermeiros serão a curto prazo a solução do Ministério da Saúde para conseguir cumprir o objectivo de tornar os cuidados primários o pivô do SNS, diminuindo o recurso a urgências e consultas hospitalares e aumentando o acesso da população a este tipo de serviços. O objectivo não é substituir os médicos nas suas competências, mas aliviar algumas áreas como o acompanhamento de doentes crónicos ou a renovação de receituário.
Para a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, a iniciativa é positiva, mas terá de ser bem clarificada pela tutela. “É preciso sublinhar que os enfermeiros não substituem os médicos, mas há competências que já têm e podem desenvolver, de forma a diminuir o recurso à consulta médica.” Gestão da terapêutica de portadores de doença crónica, vigilância de gravidezes de baixo risco ou consultas de desenvolvimento infantil são algumas das áreas onde Maria Augusta de Sousa entende que poderá haver um alargamento de competências.
Em muitas situações, os enfermeiros já são responsáveis pelas intervenções, mas não têm autonomia, aponta a bastonária. Esta é também a visão de Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. “Os enfermeiros hoje são responsáveis por praticamente todo o acompanhamento domiciliário de doentes crónicos. Mas quando é preciso substituir algum dispositivo, por exemplo num doente colostomizado ou algaliado, tem de ser um médico a prescrever”, diz Guadalupe Simões.
No caso do acompanhamento das gravidezes não patológicas, a dirigente sindical alerta que uma intervenção do governo só irá cumprir a legislação em vigor. A exigência dos enfermeiros de que se cumpram as directivas europeias nesta área não é nova e justifica uma petição entregue na Assembleia da República em Setembro, com 1295 assinaturas. Os autores pretendem que se regulamente o Decreto-Lei 9/2009, que reconhece ao enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia competência para vigiar autonomamente a gravidez de baixo risco, “incluindo a realização ou a prescrição dos exames necessários para detectar precocemente complicações de gravidez”.
No texto da petição, os enfermeiros deixam outras recomendações que agora poderão ser tidas em conta pela tutela. “A libertação dos médicos especialistas em medicina geral e familiar, em termos de cuidados de saúde primários, possibilitaria o seu aproveitamento noutras situações onde o seu papel é insubstituível”, defendem. Além das vantagens nos cuidados primários, acrescentam, a libertação de médicos obstetras das consultas de gravidez de baixo risco de termo “tornaria as consultas hospitalares mais céleres, aumentando o tempo disponível para a vigilância das situações de risco (da sua competência exclusiva).” De acordo com o levantamento da ACSS, a escassez de especialistas em ginecologia e obstetrícia é particularmente significativa nas regiões Centro e Norte, onde estão em falta a nível hospitalar respectivamente 31 e nove médicos face ao que seria desejável tendo em conta a população abrangida.

contratar ou transferir? Apesar de os profissionais considerarem a medida positiva, desde que não se sobreponham competências e sejam dados os passos administrativos para permitir prescrições e autonomia real nas novas funções, temem que a solução da tutela não tenha efeitos práticos sem novas contratações. Guadalupe Simões estima que neste momento estejam a exercer funções nos cuidados primários cerca de 5 mil enfermeiros, número que tem vindo a diminuir com o congelamento das admissões no SNS e os despedimentos, critica.
A dirigente sublinha que as boas práticas internacionais definem um rácio de um enfermeiro para 300 famílias, quando no país há situações de um profissional para mais de mil. No total há 39 mil enfermeiros a trabalhar no SNS, duas vezes o número de médicos especialistas (18 553). Em Setembro, numa reunião com o SEP, o ministro Paulo Macedo já tinha anunciado que os encerramentos e as fusões de serviços, no âmbito da nova carta hospitalar, poderiam libertar enfermeiros para os centros de saúde.


* Desde sempre que os enfermeiros desempenharam cabalmente competências de médicos com a cumplicidade dos mesmos mas de forma velada. Convém é dignificar a enfermagem e que esta resolução não signifique "tapar buracos".

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