17/10/2011

ANA SOUSA DIAS


Todos os medos, o medo



As histórias tradicionalmente contadas às crianças construíam-se quase todas sobre medos: do abandono, do escuro, dos animais perigosos (quer dizer, os que não são iguais a nós), da perda das figuras protectoras, da maldade alheia. Com algumas variações - a história do Capuchinho Vermelho tem versões mais violentas e outras mais suaves - há contos que surgem quase iguais pelo mundo fora.
Não me lembro de ter ficado traumatizada por essas histórias que me assustaram e prenderam em teias de ansiedade, logo desfeitas por um final feliz e reconfortante. Mas tenho os meus medos e entre eles conto, certamente, o do barulho nascido da terra que me ficou do sismo de 1969.
Vem isto a propósito de um estudo ontem apresentado sobre a percepção dos riscos por parte dos portugueses. Os acidentes de viação são o que mais tememos, o risco de que temos mais consciência. Vêm a seguir os incêndios florestais, as cheias e inundações, a seca, as tempestades, as ondas de calor.
Como realçou o investigador responsável por este estudo - José Manuel Mendes, do centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra - os sismos e os tsunamis estão relegados para o fundo da lista dos riscos que mais nos preocupam. Parafraseando um novíssimo clássico, diríamos que são um medo que não nos assiste.
Se este estudo tivesse sido feito em Março ou Abril de 1969, isto é, a seguir ao tremor de terra que, na madrugada de 28 de Fevereiro abalou sobretudo o Centro e o Sul do país (7,3 na escala de Richter), a ordem da lista seria outra. Mesmo depois de vermos as imagens do grande sismo de Fukushima, a 11 de Março último, não nos ocorre imediatamente que vivemos num território de risco. Assim como em crianças os medos das velhas histórias não nos afectavam directamente, eram mesmo imaginários, ter hoje permanentemente medo de um sismo seria paralisante e inútil. No entanto, o que o investigador lamentou foi a nossa total impreparação perante essa possibilidade. Talvez por isso nos espantámos tanto quando Fukushima foi devastada por um sismo, um tsunami e um acidente nuclear, e deparámos com a preparação das pessoas perante a tragédia.
Entre as pessoas inquiridas, dois terços tinham um estojo de primeiros-socorros pronto para usar, mais de um terço tinha uma reserva de água e 41 por cento guardavam comida para caso de catástrofe.
É pouco, está visto. Não precisamos de viver no terror de um acidente, mas devíamos saber como reagir e ter meios para sobreviver.
Até porque nem sempre aparece um caçador para matar o lobo mau e salvar a avozinha.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
13/10/11

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