29/10/2011

ANA SÁ LOPES


O sonho não 
     tinha interesse nenhum

Com o sonho de Sá Carneiro consumado, a paz institucional durou 120 dias

Esta semana, Portugal matou um dos mitos políticos mais resistentes no imaginário político nacional. Afinal, o sonho de Sá Carneiro – uma maioria, um governo, um Presidente – não tinha interesse nenhum nem servia para nada. Não deixa de ser interessante concluir que aquilo por que a direita tanto suspirou (e que a esquerda tanto temeu) não tinha nenhum significado político específico. Agora que o sonho foi finalmente consumado, com Cavaco Silva em Belém, a maioria PSD/CDS no parlamento e Passos Coelho em São Bento, a paz institucional durou a bonita soma de 120 dias.
Para Cavaco Silva, é um momento particularmente duro. Depois de ter criticado o Orçamento, está sozinho: os ataques impiedosos vêm dos mais fiéis dos seus apoiantes. Mesmo quando meio PSD o detestava, Cavaco Silva manteve sempre um rendimento mínimo de apoiantes seguros em qualquer circunstância. Eram os chamados “cavaquistas”, onde pontificava a figura de Eduardo Catroga, seu ex- -ministro das Finanças, que o conhece desde as calendas gregas e, naturalmente, trata por tu. Pois foi Eduardo Catroga, que sempre foi visto como a caução cavaquista na equipa de Passos Coelho, a reagir com violência à intervenção de Cavaco, como se o Presidente tivesse quebrado uma espécie de omertá política, uma jura secreta da família PSD, ainda por cima em tempos de troika.
É verdade que Cavaco Silva não gosta nem nunca gostou de Pedro Passos Coelho, desde os tempos longíNquos da JSD. O facto de Passos Coelho ter defrontado várias vezes o todo-poderoso “professor”, primeiro- -ministro e chefe de governo – enquanto era um jovem líder da JSD – contribuiu em grande parte para a animosidade entre os dois. Os “cavaquistas” sempre odiaram os “passo-coelhistas”, coisa que foi evidente durante o consulado de Ferreira Leite. Mas, com a devida excepção de Pacheco Pereira, que resistirá sempre ao invasor, o poder é um grande cimento. Aos poucos, os cavaquistas foram-se convertendo.
E, de repente, sem aviso, o Presidente lança a bomba institucional. Não é extraordinário que o tenha feito: em primeiro lugar, Cavaco Silva sabe perfeitamente as consequências económicas e políticas de um orçamento como este e não quer ficar agarrado a elas, pelo menos sem poder dizer mais tarde que não avisou. Segundo, o Presidente que há menos de um ano dizia que se tinham esgotado “os limites dos sacrifícios que se podiam impor aos portugueses” teria perdido toda a autoridade se não abrisse a boca para dizer uma palavra sobre o mais terrível Orçamento que a memória consegue alcançar. Afinal, Cavaco ainda é Presidente de todos os portugueses.

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22/10/11

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