27/09/2011

FRANCISCO SARSFIELD CABRAL

        
O mito industrial


A quase estagnação da economia portuguesa desde há uma década é muitas vezes relacionada com o desaparecimento de numerosas empresas industriais. Sem voltarmos a ter indústria, diz-se, não conseguiremos progredir. De facto, agora são os serviços, e já não a indústria, a maior componente do PIB nacional.Lamento semelhante se ouve noutras paragens. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o sector industrial pouco ultrapassa, hoje, 10% do PIB (contra mais de 15% em 1995). Na UE ainda representa 15 % (20% em 1995) e na China essa percentagem é de 33% e continua a aumentar. Os americanos queixam-se de que os industriais deslocalizaram muitas produções para países de mão-de-obra barata.
Apesar da quebra do peso relativo da indústria na economia norte-americana, os EUA ainda são o maior país industrial do Mundo. Aliás, a produção industrial norte-americana duplicou nos últimos 20 anos. Só que o sector dos serviços cresceu mais e, sobretudo, deu emprego a muita gente (o sector financeiro até engordou demais), ao passo que os postos de trabalho industriais diminuíram.
Será, então, uma desgraça a ‘era pós-industrial’? A desindustrialização implica uma travagem no crescimento económico?
Convirá lembrar que há três séculos uma corrente de economistas, os fisiocratas, defendia que verdadeiramente produtiva só era a agricultura, nessa altura a esmagadora maioria do produto e do emprego de qualquer país. Os fisiocratas consideravam a terra como a única fonte de riqueza: uma semente podia gerar plantas, árvores, frutos, flores, etc. Para eles, apenas a agricultura tinha a possibilidade de produzir uma quantidade de riqueza superior à que consumia – era o que os fisiocratas chamavam o ‘produto líquido’, algo que não detectavam na indústria nem no comércio.
Naturalmente que tais ideias foram desmentidas pela revolução industrial no século XIX, que abriu perspectivas de crescimento económico nunca antes sonhadas. Ora a actual preocupação com o alegado excesso do sector dos serviços pode reflectir uma ilusão semelhante.
É verdade que nos países desenvolvidos o emprego nas fábricas tem baixado de ano para ano. Nos EUA apenas 8% da população activa está hoje empregada no sector industrial. As indústrias deslocam-se para os países emergentes, onde têm melhores condições de competitividade (salários inferiores, nomeadamente); nos países desenvolvidos, incluindo Portugal, predominam cada vez mais os serviços.
Não é necessariamente um retrocesso, até porque sob a designação ‘serviços’ há muita coisa diferente: desde servir à mesa num restaurante até ao mais sofisticado software. Ora o notável aumento da produtividade na economia americana nas últimas duas décadas resulta sobretudo da generalização do uso da informática e da internet.
Claro que há actividades no sector dos serviços onde é difícil subir muito a produtividade. É o caso da administração pública, da educação, da saúde, dos serviços domésticos, etc. Mas noutras áreas dos serviços, pelo contrário, são boas as perspectivas de melhorias espectaculares de produtividade. Pensemos, por exemplo, na logística, nas telecomunicações, na aproximação ao consumidor via net, etc.
Muitos serviços são, hoje, ‘bens transaccionáveis’, isto é, concorrem no mercado global. A Índia deve boa parte do seu crescimento económico actual aos serviços que vende para todo o Mundo. Aliás, o recente êxito das exportações portuguesas também tem muito a ver com serviços informáticos.
Deixemos, pois, o mito de que só a indústria é produtiva, tão errado quanto era a ideia de que só a agricultura gerava um ‘produto líquido’. Os bens económicos são os que satisfazem necessidades das pessoas – incluindo serviços. O progresso tecnológico era mais visível na indústria, decerto. Mas os serviços informáticos exigem pessoal qualificado. E pensemos no que se ganhou em produtividade, sobretudo nos países menos desenvolvidos, com a explosão do uso de redes de telemóveis, algo que há 30 anos não existia.


IN "SOL"
19/09/11

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