15/08/2011

MIGUEL PORTAS



Guerra

Eis a pior notícia que li esta semana, de uma secura sem par: 25 imigrantes esconderam-se na casa das máquinas de uma embarcação de 15 metros que transportava 271 outros clandestinos no porão. Os primeiros chegaram mortos a Lampedusa. Os gases e o calor deram cabo deles. Reza a notícia que quando tentaram subir para apanhar ar foram impedidos pelos sobrelotados de cima. Talvez sim, talvez não, talvez a ordem tenha sido mantida pelos traficantes, ou por aqueles induzidos por estes. Os socorristas de Lampedusa só souberam da tragédia porque alguém de cima fez um telefonema anónimo. Quando a casa das máquinas foi aberta os corpos já estavam em decomposição há 48 horas.

Quem é responsável? Um cínico diria «os próprios». O seu parceiro do lado, outro cínico, apontaria para «os de cima, os do porão». Pelo meu lado tenho uma certeza: quem deveria ir a julgamento por estas 25 mortes são os governantes que se envolveram na guerra miserável que está em curso na Líbia, ao arrepio de qualquer Direito Internacional, incluindo o da péssima decisão, há muito ultrapassada pelos acontecimentos, do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Aqueles nigerianos, somaleses e ganeses nunca se teriam atirado para uma ‘câmara de gás’ sem a vontade imperiosa de escaparem a uma guerra que, mais dia menos dia, acabaria com eles como tem acabado com outros.

A guerra da Líbia, que é civil e é de agressão externa, é a causa directa desta tragédia e os que a decidiram são responsáveis. O sucedido não é um ‘efeito colateral’. É bem mais do que isso. São largas as centenas de homens, mulheres e crianças que voltaram a ser engolidas pelo Mediterrâneo nos últimos meses. Só em Abril, a conta cifrou-se em 250. Mas enquanto a guerra prosseguir na Líbia – e ela vai prosseguir – contem com mais, sempre com mais.

Contem com a vergonha dos governos que bombardeiam ali enquanto silenciam acolá. Contem com resistências infiltradas por agentes secretos que se envolvem em disputas de sangue e assassinatos que retiram credibilidade a quem actua em nome da democracia. E contem com um ditador que vende cara a vida, e a dos seus, que esta guerra também é civil e não se vislumbra, para qualquer um dos lados, compromisso com honra, o único modo de reconduzir as armas à política.

Por comparação, andam bem a Tunísia e o Egipto, com revoluções soluçantes e eleições em Outubro. Mesmo a revolta síria, justa e inevitável, tem mais hipóteses, porque o seu destino não está ligado a uma nova aventura militar. Sarkozy, Cameron e Obama contentam-se com embaixadas e espiões e em manter Damasco sob pressão. Não desejam uma nova frente de guerra. E também não teriam como obter a sua legitimação na ONU: a Rússia e a China sabem que a Síria conta... e mais ainda os seus vizinhos.

IN "SOL"
10/08/11

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