06/07/2011

MIGUEL COUTINHO




Para que a história 
      de um fado nacional 
                       não se repita


“Os dados oficiais ontem divulgados são claros: a economia portuguesa saiu e voltou a entrar em recessão.

Os indicadores de confiança permanecem desfavoráveis; o pessimismo marcou de forma decisiva os últimos anos da vida dos portugueses. Também o desemprego continuou uma prolongada trajectória de subida e tanto o desemprego de longa duração como o desemprego juvenil têm crescido de forma muito intensa. Por outro lado, apesar de não ser conhecida em toda a sua extensão a situação das contas públicas, o mínimo que se pode dizer é que não foram dados passos seguros e eficazes na consolidação orçamental.??Mas o tempo é de virar a página. A hora é de mobilizar vontades e energias em torno do que mais importa. E o que mais importa é o futuro e não os ajustes de contas com o passado que tanto mal trouxeram à confiança e à mobilização dos portugueses. Começa hoje o tempo de olhar para o futuro e de centrarmos os nossos esforços nos desafios que aí estão. É assim que será este Governo. Um Governo com os olhos postos no futuro."

Apesar das incríveis semelhanças, este discurso não foi escrito em 2011 e não pertence a Pedro Passos Coelho. Remonta a Março de 2005 e foi proferido por José Sócrates na tomada de posse do XVII Governo Constitucional. Serve, entre muitas outras coisas, para provar que a divulgação de dados oficiais na véspera das tomadas de posse tem um interessante padrão de repetição. Mas, relembrar este discurso diz também muito sobre a política e, sobretudo, sobre o poder das palavras. Elas, as palavras, apenas são pistolas carregadas, como dizia Jean Paul Sartre, quando saltam do recato do papel para o domínio da acção. Talvez haja um caminho sinuoso a percorrer entre o discurso de um político e a tomada de decisão, feito de inúmeras sombras, obstáculos e influências, umas previsíveis, outras inesperadas. E talvez seja esse invisível labirinto que conduz a uma tão aflitiva e deprimente repetição da nossa História recente. Eis o único desafio verdadeiramente importante de Pedro Passos Coelho: saltar esse labirinto, agindo, decidindo, cumprindo a sua palavra. Para que o discurso de quem lhe suceder seja diferente do seu e acrescente valor ao valor que ele criou. Para que, finalmente, seja contrariada uma ideia tão fatalista quanto portuguesa: a de que a trágica história de um fado nacional se repete incessantemente.


IN" DIÁRIO ECONÓMICO"
04/07/11

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