23/07/2011

FILOMENA MARTINS

                
   
      Os comboios deste país

Hoje decidi escrever sobre comboios. Sim, comboios! Nem das excepções ao imposto extraordinário, nem das lições do prof. Gaspar - que decidiu explicar tintim por tintim as suas medidas, ainda que usando o famoso método de marketing de elencar milhares de coisas boas e deixar para o fim a má, quando já poucos estão a ouvir -, nem dos cortes colossais de palavras nas frases do primeiro-ministro e do seu impacto económico. Falarei de comboios.

E o que têm os nossos comboios, ou melhor, as empresas que os gerem? Têm dívidas gigantescas, já o sabemos; têm milhares de dirigentes, como também já lemos; têm muitas linhas, algumas delas históricas e atravessando paisagens soberbas, que, estamos a ver, vão sendo encerradas. Ou seja, têm muito e não potenciam nada. Têm quase tudo, mas não têm ideias sobre o que fazer com tudo o que têm.

Ao ler o El País um destes dias, deparei-me com um anúncio de três propostas fantásticas para viajar por Espanha em comboios. Três ofertas históricas, que me interessaram como turista, mas que seguramente também captaram a atenção de muitos espanhóis.

E o que acontece por cá? A linha do Tua já era, bem como outras tão históricas como ela, a ligação Porto-Vigo acaba de ser salva in extremis por dinheiro espanhol, não há comboios a atravessar o Baixo Alentejo (pelo menos até à zona mineira) e chegar ao Algarve por essa via é uma aventura de quase um dia.

O problema é que a falta de ideias é contagiosa, não é exclusiva do sector que gere os comboios, mas de todo o País. São poucos os que ousam arriscar, temendo falhar, sobretudo se estiverem em lugares pagos pelo Estado. O carro, o ordenado certo, as regalias, os direitos adquiridos, são para ir gerindo até que mudem os governos e mudem as administrações em ciclos viciosos que se repetem há anos. Agora apenas existe uma boa desculpa: não se faz nada por falta de dinheiro.

Sendo Portugal um país de turismo e sendo os portugueses cada vez mais turistas, não se percebe porque é que ninguém se lembrou de potenciar as linhas históricas, como em Espanha. Prefere-se construir e gastar em projectos megalómanos, como o Aeroporto de Beja e respectivas novas auto-estradas, pois com as linhas férreas desactivadas é preciso levar de autocarro os parcos turistas do avião semanal para qualquer outro lado. Nem sequer temos as velhas e fantásticas estações, num abandono que dói, aproveitadas para restaurantes, como aconteceu com algumas antigas escolas primárias. Inventa-se no desnecessário, perde-se o que de melhor podíamos ter.

Falar de comboios não é, afinal, tão parvo assim, porque é falar do País. A Portugal falta dinheiro e sobram dívidas, é certo. Mas também faltam ideias e sobram conformados. E enquanto assim for, nunca mais entramos nos carris.

P. S. - Depois de escrever, li uma pequena excepção, digna de sublinhar. Este Verão, mas só este Verão, aos sábados, o vapor vai andar na linha da Régua. Gostava sinceramente que este exemplo fosse apenas o primeiro que arrasasse as conclusões do meu artigo.

TRÊS OUTROS MAUS EXEMPLOS

Os autarcas

O presidente da Câmara de Loures, Carlos Teixeira, tem a mulher, a filha, dois cunhados e a nora a trabalhar na autarquia. Como se gerisse uma empresa familiar, contratou os que lhe estavam mais próximos e davam mais confiança, segundo a explicação. Que é legal, é. Que ele não ache mal, já parece estranho. Que ninguém se indigne e ponha cobro a uma situação que, além de eticamente reprovável, é um exemplo político inadmissível, não se acredita. Que alguns digam que é apenas um em milhares de casos semelhantes pelo País fora, é coisa de polícia.

As fraudes

531 milhões em subsídios ilegais foi o montante detectado pelo Tribunal de Contas, sendo que 87% dos que receberam indevidamente (sobretudo rendimentos sociais de inserção) não têm de devolver o dinheiro ganho. Vinte mil baixas médicas suspensas nos primeiros quatro meses do ano, ou seja, um em cada quatro trabalhadores que se disse incapacitado de trabalhar por razões de saúde, afinal não estava. Estes números são reveladores muito mais do que da falta de fiscalização eficaz. Eles mostram o nível de cidadania do País. E se isso não mudar, não haverá troika que nos valha.

Os ajustes directos

Dos 98 milhões de euros gastos em projectos de renovação das escolas pela Parque Escolar entre 2007 e 2009, a maioria foi entregue directamente a construtores já escolhidos. As consultas feitas a especialistas e projectistas eram um proforma - pago, claro!. Este é apenas o último exemplo de fuga aos concursos públicos, que são burocráticos, é verdade. Mas os ajustes directos costumam dar origem a negócios pouco claros. Infelizmente, só daqui a uns tempos saberemos a verdade, provavelmente via Tribunal de Contas. Mais uma vez sem culpados: nem políticos, nem jurídicos.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/07/11

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