28/06/2011

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA

João Marques de Almeida


    O VALOR DAS IDEIAS
    

Em Portugal, o fosso entre a prática e o discurso políticos é quase tão grande como o défice da República. Falem com a maioria dos responsáveis que passaram pelos governos nos últimos seis anos e, em privado, quase todos dizem que sabiam que o país não podia continuar a viver como viveu.

As contas estavam há muito feitas. A crise financeira de 2008 apenas acelerou o desastre. No entanto, em público, os responsáveis políticos não diziam a verdade porque não sabiam como fazê-lo. Não tinham um discurso político consistente e convincente que justificasse e legitimasse a governação. Resultado: não se fazia o que se dizia; e prometia-se o que não se podia fazer. Portugal viveu nesta hipocrisia organizada durante demasiado tempo.

A incapacidade de explicar a verdade foi compensada com os discursos da necessidade e da imposição externa. A "austeridade" e os "cortes" são necessários porque há uma "crise mundial"; mas depois voltará o mesmo tipo de vida. No fundo não nos identificamos com este tipo de "medidas", mas é a "Europa" que nos "obriga", ou é o "preço" de estar no Euro, ou a condição para nos podermos "financiar nos mercados". A repetição deste tipo de discurso é um dos maiores riscos para o novo governo. E as oposições já estão a empurrar o governo para esse estreito beco, quando afirmam que o programa do governo "foi feito no estrangeiro".

É preciso dizer que, na parte mais importante, as reformas, não foi feito por estrangeiros. O chamado "programa da troika" foi inspirado por portugueses. Uma coligação de portugueses reformistas (que incluía dirigentes dos partidos da coligação, independentes e instituições como o Banco de Portugal, a Comissão Europeia e o FMI) discutiu com os membros da "troika" as reformas de que o país necessita. O programa resulta de uma visão para o país há muito defendida pelos mais reformistas. Mas que nunca foi devidamente explicada aos portugueses.

A partir de agora, o Governo e a coligação reformista que o apoia terão que saber explicar este programa aos portugueses. É fundamental dizer para onde vai o País e convencer que vale a pena fazer sacrifícios. Para isso, será necessário ganhar o debate público. Já começaram a aparecer as vozes que dizem que há vida para além da "troika" e até que haverá vida para além do Euro. O Governo terá que explicar que haverá vida depois da austeridade. Veja-se o que está a acontecer na Grécia. Um dos problemas do governo grego é a incapacidade de construir um discurso que justifique as reformas perante os seus cidadãos.

Pelo contrário, no Reino Unido, a construção de um discurso político reformista, que vá além da austeridade, é uma das prioridades da coligação entre conservadores e liberais. Se o Governo português desvalorizar o debate público, irá perdê-lo e da pior maneira, por falta de comparência. Se o perder, duvido que consiga cumprir o seu programa político.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
27/06/11

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