07/06/2011

FERNANDO BRAGA DE MATOS



As 78 mil milhões de razões

(Onde o autor, roendo as unhas devido a um empolgante acontecimento do fim-de-semana, a saber o Portugal - Noruega, recorda que também há eleições legislativas e que não era má ideia pôr o Sócrates a milhas, antes que ele, com o dinheirinho a chegar, ainda se lembre para aí duma ponte continente - Açores).

A campanha tem corrido muito bem, muito animada, cheia de arruadas, frases de grande finura e ideias plenas de substância, numa feérie tal que acredito só servir para aumentar a abstenção e o consumo de ansiolíticos. Claro que não somos diferentes dos outros, noutros lados, também eles brindados com mimos parecidos, aliás ampliados em toda a parte por uma comunicação social ávida de questiúnculas e questões, grandes, pequenas e insignificantes, pois a multidão alimenta-se, presumem eles, desses atritos, nem que sejam os famosos "pentelhos" catroguianos. Até temos a grande mensagem da campanha socrática - "por sede do poder, derrubaram um governo que estava a fazer bom trabalho, precipitando uma ajuda externa desnecessária" (as palavras não são exactas, mas quase) - que, se ainda há crédulos para ela, irá motivar muito malfeitor a ir vender vigésimos premiados para os comícios do PS, substituindo os habituais carteiristas de ajuntamentos inocentes.

Pelos vistos, a discussão pela positiva está fora de hipótese, até mesmo o vinculativo memorandum da troika, pelo que o maior dos cuidados se impunha aos candidatos no domínio da frase infeliz, de sentido potencialmente questionável ou mesmo apenas susceptível de interpretação abusiva. As coisas são como são e as regras do jogo já eram conhecidas, e assim estavam vigentes por muito detestáveis que se afigurem. Claro que neste campo quem surge à ideia de imediato é a actuação de Passos Coelho que até já tinha visto a campanha pela verdade travada e perdida por Ferreira Leite, por muito clara que "a posteriori" se tenha verificado a sua agora indesmentível razão. Problema da memória curta das pessoas, poderá dizer-se, mas isso é também um dado da pugna, e os jogos que se querem ganhar travam-se com a eficiência das armas e a configuração dos cenários que estão lá factualmente à disposição e não outros, mais louváveis e benignos para almas piedosas. O homem tem ar de bom rapaz, um pouco tímido até, como a canção do antigamente, mas que ele é o maior a deitar cá para fora inconveniências eleitorais, por Metro quadrado, isso é inquestionável. Não faço bem ideia dos danos eleitorais que isso causa, mas seguramente alguns estilhaços há-de provocar , por muito que entre uma bojarda e uma bancarrota se visualize alguma diferença, mesmo nos brandos costumes locais.

Sócrates , por sua vez, não é poupado pelos oponentes laranja, mas é pelas malfeitorias que foi fazendo ao longo de seis anos e não pelas asneiras proferidas de há uns meses a esta parte. Ele já está na fase decadente final de bombo de festa, de quem já não suscita respeito, mas atirar-lhe com similitudes sadamianas, hitlerianas ou draculianas já é um tanto hiperbólico.

É certo que quando afirma que "nunca cometeu o erro de deixar de agir", isso é alguma coisa que o camarada Adolfo não deixaria de dizer de si próprio, e eu só não o reitero aqui porque ainda me aparece algum "hate mail" de camisas castanhas saudosistas a vociferar, escrevendo que se diz tudo do falecido Fuehrer mas compará-lo a Sócrates já é demais. Vamos, pois, evitar tal catroguismo, mesmo nesta sede de cultura politicamente incorrecta.

Está, pois, chegada a hora de ir votar, pelos vistos ainda na indecisão revelada pelas sondagens, que deixa perplexos os analistas estrangeiros, como o do "Financial Times", surpreendido por não estar a acontecer o mesmo que em Espanha e na Irlanda, " quando há, em Portugal, tantas pessoas com razões para se sentirem prejudicadas". Ora, no caminho certo achei eu o apelo ao voto feito por Manuela Ferreira Leite, em comício do PSD, no qual a estimável senhora, pelos vistos não encontrando melhores razões para enaltecer o candidato do seu partido, foi dizendo que votar no PSD é a melhor maneira de nos livrarmos de Sócrates.

Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
03/06/11

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