03/06/2011

ANA SÁ LOPES



A campanha é uma 
      cápsula estranha


Podemos viver com algumas certezas: teremos governo, seja ele qual for. Com maior probabilidade "estatística", esse governo será liderado por Pedro Passos Coelho, com Paulo Portas como vice-primeiro- -ministro. Ao que tudo indica - como avisadamente lembrou Almeida Santos  no "Sol" - Sócrates abandonará a liderança do PS um mês depois de ter sido reeleito secretário- -geral com uma unanimidade estranha e, de certa maneira, confrangedora. Muitos portugueses vão suspirar de alívio, mesmo que não sejam de direita. A ideia de mudança está em marcha, independentemente dos valores finais que o PSD conseguir atingir.

Quanto às verdadeiras incertezas e às sombras ameaçadoras do futuro, não tem havido uma palavra nesta campanha eleitoral entre os dois grandes e o terceiro contemplado das sondagens, o CDS. Os três estão a atravessar esta campanha como se o mundo em que viveram nos últimos 20 anos não estivesse à beira do precipício. A Europa está em implosão, transformada num monstro impositivo, onde o antigo mantra que era o "princípio da subsidiariedade" - os mais fortes ajudavam os mais fracos - foi devorado pelas ambições eleitorais da senhora Merkel, à beira de uma derrota estrondosa nas próximas eleições nacionais alemãs - já acumulou várias nas eleições estaduais em curso.

O que vai sobrar da economia portuguesa depois do "memorando" da troika, seja na primeira seja na segunda versão? A ideia de que nos vamos ver gregos é uma piada que há um ano deixou de ter qualquer graça. A paranóia austeritária que aterrou na Grécia não teve quaisquer resultados positivos. O enésimo pacote de austeridade exigido por Bruxelas está a ser recusado pelo parlamento e só falta mesmo o Ecofin decidir impor à Grécia a venda das ilhas e da Acrópole ateniense.

O que se está a passar na Grécia não interessa por um minuto ao PS, ao PSD e ao CDS, por um motivo terrível: os três assinaram um programa que só com muita sorte não nos atirará para a miséria grega. Discutir isto seria sempre um aborrecimento.

Os partidos à esquerda do PS, PCP e Bloco de Esquerda, falam da crise europeia. Mas reconheça-se que ninguém os ouve. Até porque não apresentam saídas concretas para além da reestruturação da dívida - necessária a prazo, mas que ainda ninguém quer ouvir. Sair do euro é neste momento tão trágico como ficar - um bocadinho mais, com certeza.

A Europa em suicídio enquanto em Portugal se discute se foi o PSD a enviar uns arruaceiros para um comício do PS é uma imagem da nossa tristeza. A campanha eleitoral está a ser uma das mais alienígenas de sempre - com o programa de governo já aprovado por consenso entre PS, PSD e CDS, estamos desta vez a escolher exclusivamente não ideias, mas pessoas. A pessoa de Passos Coelho, apenas por ser diferente de um Sócrates exangue, deverá ser convidada a formar o futuro governo. Nessa altura perceberá que eliminar Sócrates não chega.

IN "i"
28/05/11

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