15/05/2011

ANTÓNIO MARINHO E PINTO


Não, não vou por aí!

Não votarei nas próximas eleições pelas razões que, sumariamente, apontei no discurso que proferi na cerimónia de abertura solene do novo ano judicial (e que pode ser revisto em www.marinhopinto.net).
Nestas eleições não haverá uma efectiva possibilidade de escolha porque não há alternativa a nada e tudo ficará na mesma depois delas. O país assemelha-se a um navio que há décadas navega em direcção à falência económica e à degenerescência da democracia sem que possamos alterar a sua rota. Só podemos mudar de tripulação. Praticamente todos os actuais partidos já estiveram no governo desde o 25 de Abril, mas os resultados foram sempre os mesmos: dívidas e mais dívidas e a transformação do Estado num monstro ingovernável, engordado pelas sucessivas camadas de clientelas partidárias disseminadas pelos milhares de organismos públicos.
A dívida pública é a mais elevada dos últimos 150 anos e é igual ao nosso produto interno bruto (PIB), enquanto a dívida externa é a maior dos últimos 120 anos. As famílias estão esmagadas pelo sobreendividamento e a maioria delas terá de trabalhar 15, 20 ou mais anos para pagar o que deve, se não optarem pela insolvência. As dívidas das empresas correspondem a 150% do PIB, sendo que só as das empresas públicas representam 25%, percentagem essa que não está contabilizada na dívida pública total.
Os nossos sucessivos governantes não só nos endividaram a todos, como, na sua esquizofrenia gastadora, endividaram também as gerações futuras. Grande parte das despesas públicas que têm sido feitas serão pagas pelas próximas gerações e alguns dos empreendimentos projectados seriam, se concretizados, pagos com os impostos de pessoas que ainda não nasceram. Só as chamadas parcerias público-privadas envolvem cerca de 60 mil milhões de euros (quase 35% do PIB) que serão pagos pelas próximas gerações. A coroar tudo isso temos a pior taxa de desemprego de sempre, a qual ainda vai aumentar mais nos próximos anos.
São muitos o que, neste país, exploram inescrupulosamente os recursos públicos, desde os gestores e as «aristocracias laborais» das empresas públicas, até aos grandes grupos económicos privados cuja riqueza tem aumentado escandalosamente à custa de negócios leoninos com o Estado. A delapidação de recursos públicos nas últimas décadas (grande parte deles transferidos directamente para bolsos privados) constitui um dos maiores crimes de estado, senão o maior, cometido na nossa história quase milenar.
As nossas elites falharam rotundamente e, juntamente com as clientelas partidárias, transformaram-se em verdadeiros predadores dos recursos públicos nacionais. Um administrador de uma empresa de capitais públicos, que teve que abandonar o cargo devido a umas trapalhadas com um processo judicial, recebeu como compensação o mesmo que um trabalhador com o salário mínimo receberia se trabalhasse 265 anos seguidos e o mesmo que um trabalhador com um ordenado mensal de mil euros receberia se trabalhasse 128 anos.
Os fariseus do regime comparam a situação actual com a de antes do 25 de Abril para dizerem que estamos melhor. Pudera! Porém, qualquer comparação honesta só pode ser feita com outros países europeus com a nossa dimensão ou com as metas e os objectivos de desenvolvimento e de bem estar social que a democracia fixou nos seus primórdios. Hoje estamos a afastar-nos dessas metas. A democracia é cada vez mais formal e os cidadãos estão cada vez mais distantes das decisões sobre os grandes problemas nacionais. O debate público está viciado, teatralizado e fulanizado, enquanto as grandes decisões são tomadas quase à sorrelfa. A campanha eleitoral é artificialmente dramatizada com uma gritaria de ataques pessoais entre uns candidatos, enquanto outros se limitam, quais discos riscados, a repetir a mesmas inanidades de sempre.
Nunca umas eleições serviram para tão pouco, nunca a desinformação e a alienação foram tão grandes como hoje. O verdadeiro sobressalto cívico capaz de gerar novas alternativas democráticas pode começar agora, não com um movimento de revolta contra a democracia, mas com um simples gesto de recusa deste pântano em que nos atolaram. A culpa deste estado de coisas não é da democracia mas dos democratas que se apresentam às eleições. Por isso, dizer não a esta farsa eleitoral pode ser o primeiro passo para que o barco mude de rota. Porém, se os portugueses, mais uma vez, quiserem apenas substituir a tripulação, então votem, mas depois não se lamentem.
Há momentos em que é preciso ter a coragem de dizer não àquilo que nos parece irrecusável. 

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
08/05/11

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