23/05/2011

ALBERTO GONÇALVES

ALBERTO GONÇALVES

O desespero em horário nobre

Nunca achei que a destreza oratória constituísse um bom critério de avaliação dos políticos, que por mim podiam ser mudos sem grande prejuízo. A generalidade dos nossos comentadores discorda. Às vezes, os comentadores parecem julgar os candidatos eleitorais apenas pela lábia, opção a que têm direito mas à qual deviam conceder algum rigor.

Repare-se, a propósito, no mito erguido em volta de José Sócrates. De acordo com a maioria da opinião publicada nos últimos anos, o eng. Sócrates é insuperável em debates televisivos. Ninguém explica porquê: o homem é insuperável e pronto.

Curioso, na medida em que eu, que sou distraído, já vi o invencível eng. Sócrates perder debates. Na campanha em curso, então, vi-o perder dois dos primeiros três (Jerónimo, uma simpatia, não conta) e afundar-se embaraçosamente no quarto e último, por acaso o que lhe interessava. Após o enxovalho de sexta-feira, os estúdios dos diversos canais encheram-se de convidados que se confessavam surpreendidos pela prestação de Pedro Passos Coelho.
Se Passos Coelho surpreendeu foi por afirmar aquilo que o esquecimento ou uma desvairada estratégia o levaram a calar durante demasiado tempo: o eng. Sócrates, e não ele, governou o país nestes seis anos; o eng. Sócrates, e não ele, arrastou-nos para a presente miséria; o eng. Sócrates, e não ele, deu suficientes provas de incompetência; o eng. Sócrates, e não ele, recusa aceitar um mero esboço da realidade; etc. Afinal, bastava insistir nas evidências para demolir o mito.

Pela parte que lhe toca, o mito meteu dó. Ao longo de uma penosa hora, o eng. Sócrates revelou as costuras de um método que só funciona na cabeça dos devotos. Na forma, o recorreu a truques que envergonhariam uma criança: as frases feitas e repetidas à exaustão (género "Isto é gravíssimo!", "Isto é demasiado importante!" e "Jamais virei a cara às dificuldades!"), as expressões de choque simulado, os sorrisos estudados e, fruto de menos estudo, as típicas interjeições de desagrado e impaciência.
No conteúdo, a coisa infantilizou-se ainda mais. O universo do eng. Sócrates é habitado por recorrentes bichos papões, da crise internacional às agências de rating, passando pela oposição malvada que rejeita o prodigioso PEC IV. Nada do que acontece é culpa dele, uma alma cândida que desalmadamente se empenha em prol do bom comum e fecha os olhos à destruição que semelhante empenho provoca. Descontada a componente trágica, é engraçado ouvi-lo jurar que Portugal precisa de pessoas responsáveis, não de aventureiros. De qualquer modo, este não é um mestre da retórica e da "comunicação": é um sujeito desesperado.

E será a imagem desse desespero a sobreviver a um confronto a que, para descanso de ambos os participantes, faltaram questões vitais (a reforma autárquica, a Justiça), e onde, para conforto do eleitor médio, Passos Coelho realizou uma deprimente defesa do falecido Estado "social". No auge da agonia, o eng. Sócrates decidiu martelar na extraordinária ideia de que criticar o PS é criticar o país, instâncias que confunde há muito. No dia 5 verificaremos se a pretensão tem fundamento. Se depender do debate, não tem.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
22/05/11

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