23/04/2011

PEDRO SANTOS GUERREIRO



Privatizar já! 
      Nacionalizar também!


Portugal vai ser privatizado. Todo? Não, o que der. Incluindo parte da Caixa Geral de Depósitos, baratinho.

E, no entanto, os bancos poderão ser parcialmente nacionalizados. Confuso? É para estar. A economia passou do ortodoxo para o paradoxo.

Está em marcha, há mais anos do que queremos reconhecer, uma venda acelerada de activos de Portugal. O Estado vende porque precisa, os portugueses não compram porque não têm como: são capitalistas sem capital. E assim caducou o tempo dos preconceitos (ou das convicções?). Defesa dos Centros de Decisão Nacional? Já não há: nem a defesa, nem os Centros. Já só falta perder uma coisa: as peneiras.

Fala-se de privatizações como se fossemos proprietários de impérios babilónicos. Não somos. Já vendemos ou hipotecámos e o que resta das nossas empresas não vale grande coisa - pronto, está dito. Não neste momento, em que Portugal tem "rating" de repulsa e o capital voa em bando daqui. Chega a ser enternecedor ouvir quem defende as "jóias da Coroa" com paixão. Anéis de amantes não são diamantes.

O problema não é querermos vender, é não quererem comprar. Temos uma fatia da EDP, a da Galp já está prometida, a TAP vai a caminho, a Águas de Portugal e a REN são a seguir... Se o Estado vendesse todas as suas empresas, descontando a dívida com que ficaria, receberia uns 12 mil milhões de euros. Daria para pagar as dívidas dos próximos três meses...

O Governo orçamentou receitas de privatizações de seis mil milhões de euros até 2013. A missão externa europeia e do FMI quer mais. Não pode ser por dinheiro, que é pouco. É por ideologia, que é muita. E boa.

A crise criou a percepção de que o Estado, afinal, é que é justo. Não é. O Estado foi uma concubina ingénua do sistema financeiro, que acabou traída pelo dissidente e a pagar as contas que ele deixou. Esse acerto de contas está por fazer. Mas nas empresas não financeiras, o Estado não trouxe boa--nova. Nem traz. Subvertendo a expressão: é melhor ter lucros privados que prejuízos públicos. Mas não é por isso. É porque a palavra "Estado" é máscara da palavra "Governo", atrás da qual está a palavra "partido".

As empresas públicas têm sido cobertores dos partidos, agências de contratação de "boys", veículos de dívida que financia terceiros. Em alguns casos, como a RTP e a TAP, a reestruturação financeira permitiu a emancipação mas quase sempre "contra" e não "com" os partidos. Mesmo noutras empresas já muito privadas, como PT, EDP e Galp, anda-se de ministro ao colo. E há melhor exemplo de escandalosa politização do que a CGD, financiadora de tantos falidos que ainda ontem se reuniram na AG do BCP?

Privatizar a Caixa é hoje um erro, pela vulnerabilidade. Mas só é um tabu para os que, aproveitando-se do temor português pelo lucro privado, impõem o prejuízo colectivo pela gestão danosa ou maldosa. Mas sim, hoje é um erro. E um paradoxo: os investidores não andam a correr atrás dos bancos portugueses, é ao contrário. E se a "troika" aumenta os rácios de capital e desce os de alavancagem à banca portuguesa, será necessário o Estado separar dinheiro para os bancos: nacionalizações, temporárias, parciais e retribuíveis, mas nacionalizações.

Privatizar empresas não é um comportamento desviante, faz bem à economia. Concorrência faz bem à economia. Desproteger faz bem à economia. Diz-se que o Estado pode fazer tão bem como os privados. É verdade. Olhe um: o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Mas é caso raro.

É pena que privatizemos na penúria, estamos a preços de liquidação total. Os dedos do Estado vão ficar tão nus que a mão ficará quase invisível. Que use a outra mão para o que deve: regulação, fiscalização, punição dos faltosos. É para isso que o Estado existe, para garantir os direitos dos desprotegidos. Não foi por ter empresas que o conseguiu. Que seja agora. Que venda o corpo para recuperar a alma.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
19/04/11

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