29/04/2011

FERNANDA PALMA

 .


Homens médios

Irá realizar-se, a 27 e 28 de Abril, na Faculdade de Direito de Lisboa, um colóquio internacional sobre o tema ‘Eichmann em Jerusalém’, alusivo ao livro da filósofa Hannah Arendt publicado há 50 anos.

A obra refere-se ao julgamento e à condenação à morte, em Israel, de Adolf Eichmann, um dos responsáveis nazis pela "solução final", que levou ao extermínio de milhões de judeus durante o Holocausto.

A obra de Hannah Arendt, ela mesma judia, sustenta que o nazi Eichmann nem sequer seria um monstro. Eichmann não odiava nem teria razões para odiar os judeus. Era, apenas, um homem mediano obcecado pelo cumprimento da lei e pelo funcionamento da organização que servia. Por isso, a tese da filósofa, criticada por certos círculos políticos judeus, conclui pela "banalidade do mal".

Hannah Arendt entendia que, na Alemanha nazi, as decisões morais exigiam qualidades excepcionais, não estando à altura de pessoas passivas e medianas. A lógica nazi banalizara de tal maneira o mal que as intuições elementares de respeito pela vida e pela liberdade dos outros tinham desaparecido num totalitarismo social que se propunha impor o domínio político e económico sobre a terra.

A lógica nazi triturava de tal modo a sociedade que os próprios representantes dos judeus colaboraram na organização disciplinada do Holocausto, negociando, por vezes, o salvamento de uns em troca do sacrifício de outros. Procuraram o mal menor, sem consciência de que se tratava de uma "solução final", que levaria ao extermínio dos judeus da face da terra, e não "apenas" de uma deportação.

Homens banais, que nunca discutiam ordens nem divergiam das opiniões dominantes, fizeram funcionar uma das máquinas mais demoníacas da história humana, como se o mal estivesse ao alcance do homem quotidiano de que falava Pessoa. Esta lição arrepiante deve ser hoje evocada, salvaguardando as devidas proporções e óbvias diferenças, a propósito da culpabilização dos "PIGS".

Está em causa a difamação de povos inteiros, sem respeito pela sua história. A realidade complexa dos Estados é resumida à sua dívida. Trata-se de um novo totalitarismo, que condiciona as próprias instituições da Justiça. Perante esta situação, a auto-culpabilização e a desavença interna, em Portugal, lembram os desventurados comités judaicos que terão ajudado a organizar a "solução final".

Por vezes, a História repete-se. Na Páscoa bíblica, a prepotência foi invariavelmente exercida por pessoas normais, que não conseguiram ser excepcionais quando o único caminho a seguir lhes exigia que superassem a mediania. Porém, a resposta definitiva esteve sempre - tanto na Páscoa judaica como na Páscoa cristã - nas mãos dos que acreditaram na ultrapassagem do deserto.


Professora catedrática de Direito Penal

IN "CORREIO DA MANHÃ"
24/04/11

Sem comentários:

Enviar um comentário