27/04/2011

EDUARDO CINTRA TORRES

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Licor Beirão


As declarações do ex-futebolista Paulo Futre numa conferência de imprensa do Sporting Clube de Portugal foram menos delirantes do que muitas de políticos que nos vão passando pelo governo e pela televisão, mas ganharam o estatuto instantâneo de mirabolantes.


Nos arquivos dos jornais e das televisões, há centenas de declarações políticas mentirosas, promessas falsas, fugas às questões, demagogia embrulhada em retórica; todavia, a política tornou-se de tal forma um espaço de invenção surreal que já nos habituámos e nem damos pela trapaça.

Ao contrário dos profissionais da política, Futre não escapou ao escrutínio da opinião pública. Não tem o treino deles, nem de futebolistas estrelas. Ganhou um sotaque espanhol na maneira de falar que resulta um pouco apalhaçado. E, na célebre conferência de imprensa, Futre não quis ou não soube enganar e sofreu as consequências da chacota nacional.

Agora, na campanha do Licor Beirão, Futre brinca consigo mesmo. Se não os podes vencer, junta-te a eles. A campanha agarra a oportunidade, o momento entre as eleições no Sporting Clube de Portugal e as eleições legislativas, transformando o candidato a director desportivo em fictício candidato a primeiro-ministro. A linguagem política nos anúncios está, pois, directamente ligada à linguagem considerada delirante na conferência de imprensa do Sporting. Se o discurso da equipa e do jogador chinês são delirantes, então tomem lá promessas eleitorais e digam-me qual das linguagens é a mais absurda. Futre entra neste jogo que faz da política um "cambalacho" como o futebol.


Ele pousa como um político (ou dirigente desportivo) para os cartazes, de fato e gravata, com um fundo quase monocromático, em dois tons de amarelo torrado. Ao lado do ex-futebolista, está a mensagem humorística, com promessas mirabolantes intituladas "Soluções à portuguesa". Uma faz referência à promessa do jogador chinês: "Acabaram-se os tachos. Um wok para cada português!" Outra promete "Um diploma de engenheiro para cada cidadão!", não fosse Portugal o único país do mundo que tem como primeiro-ministro um "engenheiro" com testes enviados pelo correio para o senhor reitor e a licenciatura confirmada ao domingo. Um terceiro, um pouco mais básico, promete um governo de "19 amigos e mais um para trabalhar!", referindo-se também à ideia do jogador chinês a fechar um magnífico plantel de 20 para o Sporting.

O Licor Beirão tem um historial publicitário dos mais sui generis entre as empresas portuguesas; criou ao longo das décadas uma ideologia de marca associada ao humor, a um nacionalismo brincalhão permitindo a uma bebida nacional competir com os gigantes das multinacionais do álcool; passa por uma certa auto-depreciação e por um sentido "rabelaisiano" da vida, de não levar muito a sério o que se toma por sério e de basear a felicidade no beber, comer e dormir. Esta campanha faz jus ao passado do Licor Beirão, pelo fair-play de Futre, pelo humor despretensioso, pela inscrição dos anúncios num universo referencial que só pode ser português e entendível pelos iniciados do futebol e do YouTube.

A oportunidade da campanha foi de imediato compensada com uma divulgação gratuita dos materiais em notícias em diversos media jornalísticos nacionais e através de "sites" e blogues na internet. Trata-se de uma compensação, de alto valor em notoriedade, que só algumas campanhas conseguem obter.


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/04/11

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