18/03/2011

RAUL VAZ




A censura 
    dos empatas


Cavaco encheu o saco, o que só confirma a validade da teoria: o Presidente da República deveria cumprir apenas um mandato. Um, eventualmente mais longo e, sobretudo, mais livre.

O que aconteceu no virar de ciclo é uma exibição da natureza humana. Só esse traço justifica o grito anacrónico de Cavaco Silva. O que é que mudou nos últimos dois, três anos, para um professor de ciência económico-financeira? Pouco ou nada, num caminho em que, naturalmente, o tempo fez piorar o mal.

O que é que mudou desde que o Presidente defendia a sobriedade no debate interno como única forma de evitar um efeito negativo junto dos nossos credores? Mudou o essencial: o Presidente foi reeleito. O professor Cavaco Silva sabia que "isto" não poderia adivinhar melhoras. É, aliás, isso que não consegue iludir no seu grito de raiva: perdeu-se uma década.

Perdeu-se, é verdade. E é aí que Cavaco Silva se deixa envolver com Francisco Louçã - numa atitude que ultrapassa o discurso e afirma uma característica. Ambos se acham acima de uma mediania (conceito em que habita o "povo"), ambos são produto de uma aprendizagem que se alimenta de uma mensagem evangelista. Nunca se peça a Cavaco ou a Louçã o reconhecimento de um erro. Ou, sequer, a sua correcção.

A consequência é, também, natural: trocando a marca ideológica, o discurso de Cavaco poderia ter sido lido por Louçã. E, a partir de agora, a doutrina confunde-se num objectivo comum: remover Sócrates, desde que alguém o faça por eles.

E é nesse percurso que se deve enquadrar a súbita, embora trabalhada, rendição de Cavaco à "geração à rasca", os jovens que, confessa, o motivaram para continuar. É curto, apesar do modismo. E os desempregados sem janela de idade? E os 450 mil que perderam o abono de família? E os 75 mil que vivem sem rendimento mínimo? Ele, o Presidente do futuro, dirá que estas minudências estão implícitas no seu roteiro social.

Falta, a Cavaco e a Louçã, o salto da consequência. É verdade que a censura do Presidente encurtou o prazo de validade deste governo; é indesmentível que Louçã quis descolar do PS e da derrota presidencial. Mas ninguém espere deles o empurrão final - Cavaco esticou o diagnóstico, Louçã foi incapaz de, na hora certa, confrontar a direita com a oportunidade.

Há quem acredite que tudo está desenhado ao pormenor e, nesse plano, agendado o dia e a hora do verdadeiro choque com a realidade - que terá, como consequência, a queda do Governo. Talvez assim seja, apesar dos empatas. E do sistema que os alimenta e legitima.

IN "DIÁRIO DE NEGÓCIOS"
11/03/11

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