12/03/2011

PEDRO BRAZ TEIXEIRA






Soluções para a 
    "geração Deolinda"






Aqui vão algumas propostas de solução para os problemas identificados na canção dos Deolinda "Que parva que eu sou". Estas propostas têm contornos assumidamente vagos, para evitar a tendência portuguesa do desvio do essencial para tagarelar sobre o acessório. 
Em relação à precariedade do emprego, seguindo uma solução já anteriormente proposta por Campos e Cunha, crie-se um novo tipo de contrato de trabalho, com muito menos garantias do que os actuais, mas claramente com mais do que os actuais falsos recibos verdes.
Em princípio, um novo contrato de trabalho muito mais flexível seria suficiente para dissuadir as empresas de recorrerem aos falsos recibos verdes. As contribuições para a Segurança Social dos recibos verdes a tempo inteiro ou quase (falsos ou não) deveriam ser pagas como para os trabalhadores em geral. As empresas pagariam o equivalente ao que pagam para o regime geral e os trabalhadores "verdes" descontariam como os seus colegas "do quadro". Para além disso, as empresas teriam a responsabilidade de descontar todas as contribuições dos ordenados, como acontece para o regime geral. A segurança social veria assim o universo de entidades a fiscalizar reduzir-se muito significativamente, porque há muito menos empresas do que trabalhadores. 
O que é totalmente absurdo é a revisão recente do código contributivo, que veio penalizar os trabalhadores a recibo verde, esquecendo que eles é que são as vítimas deste mercado de trabalho em regime de apartheid. É certo que a minha proposta é a oficialização desse mesmo apartheid, mas talvez o reconhecimento oficial da realidade seja o que é necessário para a transformar. Enquanto estivermos em negação, não vamos longe.
Para além disso, em processos de reestruturação de empresas, um dos instrumentos de negociação poderia ser os trabalhadores passarem dos antigos contratos de trabalho para os novos.
Outro aspecto importante do novo contrato de trabalho é que os conflitos relacionados com ele não seriam dirimidos nos tribunais do trabalho, mas num tribunal arbitral a criar.
Em relação ao problema dos jovens terem que ficar até tarde em casa dos pais, o problema essencial (para lá do rendimento) é a lei de arrendamento (cuja última revisão bloqueou ainda mais o mercado), bem como a inoperância do sistema a despejar inquilinos caloteiros, que já gerou milhares de profissionais deste "esquema", que tem evitado que inúmeros proprietários se tornem em senhorios. É absurdo que tenhamos centenas de milhares de habitações fechadas porque o enquadramento legal e prático é um poderosíssimo obstáculo ao arrendamento.
Gostaria de salientar que se torna cada vez mais urgente a reanimação do mercado de arrendamento, porque nos próximos anos o crédito à habitação vai ser escassíssimo e caríssimo. Mesmo que o Estado português recorra à ajuda europeia e ao FMI, os bancos portugueses não têm nenhum mecanismo equivalente de financiamento e serão forçados a cortar na concessão de crédito. Pior ainda, com os apelos recentes ao aumento de capital dos bancos e com a dificuldade em os concretizar, o caminho terá que passar pela redução do crédito concedido.
Outro problema identificado é a incapacidade da economia gerar empregos compatíveis com a qualificação crescente dos nossos jovens. Isto, em parte, decorre da incapacidade no sentido lato de criar emprego, cujos obstáculos têm sido genericamente apelidados de "custos de contexto" de investir em Portugal e que não vou reproduzir aqui. É um conjunto de reformas que é quase um programa de governo. 
Em relação a este aspecto, só gostaria de acrescentar que os nossos empresários mais velhos precisam de mais formação (um tema que até recebeu atenção recentemente), para se sentirem mais tranquilos em contratar jovens com mais qualificações do que eles, mas parece que os nossos jovens também estão a necessitar de alguma formação em empreendedorismo.
Só para terminar, gostaria de salientar que estas propostas não são uma tentativa de agradar a um grupo de descontentes a ocupar momentaneamente a agenda mediática, sacrificando o bem comum, como demasiadas vezes ocorre. Olhando para as propostas do ponto de vista macroeconómico, elas continuam a fazer sentido.

Economista

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
09/03/11

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