28/03/2011

FILIPE LUÍS


Portugal tem talento 

Onde está um Ernâni Lopes agora? Ou um bom "vinho político"?


Um clamor de vozes começa a erguer-se para pedir uma espécie de Governo de Salvação Nacional. Um imenso centrão, onde cabem PS, PSD e até CDS. Um enxerto de AD no Bloco Central, portanto (ou vice-versa, conforme o programa seja mais ou menos conservador). Nenhum partido quer chamar o FMI, não porque tenha de impor medidas duras, porque essas já nós temos, mas porque todos têm medo de que a verdadeira situação do País seja posta a nu e a real dimensão do clientelismo do Estado seja desmascarada. Uma situação de que nenhum partido sairá inocente. Temem o princípio do fim dos privilégios, nepotismos e abusos vários, perpetrados, sobretudo, pelos partidos do chamado arco governativo, no aparelho de Estado. (Ninguém admite, nas presentes condições, um governo de maioria de esquerda; tragicamente, e por culpa própria, a esquerda deixou de ser levada a sério e funciona como uma espécie de florão, no hemiciclo parlamentar...). Mas ninguém parece vislumbrar, com as atuais lideranças, uma possibilidade de entendimento ao centro. Ainda que Passos Coelho mostre, num futuro Governo, uma liderança liberta de medos, pressões ou manias de perseguição (interna) que o fragilizam na oposição.

Chegámos a um impasse. E chegámos aqui, porque Portugal tem uma esquizofrenia política de décadas, que impede a constituição de governos de coligação. Infantilizados, os partidos funcionam numa lógica clubística, em que prevalece a fidelidade ao "cachecol" e cada um se impõe com base em claques organizadas, onde nem sequer faltam os hooligans. José Sócrates vê os adversários como inimigos de morte, que têm como prioridade abatê-lo. Os apaniguados veem (têm visto) no primeiro-ministro o garante dos seus lugares, dos seus empregos e dos seus salários. No PSD, tem-se apostado num "messias" que assegure a "vitória", ou seja, o assalto aos lugares que agora pertencem ao rival. Ora, sabemos como em 1977, e depois em 1983, o FMI impôs governos de maioria e se fizeram coligações à força. No segundo caso, sabemos como impôs o independente Ernâni Lopes, liberto de lógicas partidárias ou do medo da impopularidade. Com um primeiro-ministro forte - Mário Soares - e um vice solidário, Mota Pinto, ambos de uma safra política em que não havia zurrapa. Onde está um Ernâni Lopes agora? Ou um bom "vinho político"?
De repente, o País acordou sem dinheiro, sem sonhos e sem liderança. A brincadeira acabou. E não se vislumbra quem possa convencer-nos a começar de novo.
E, no entanto...
No entanto, bastaria ter ouvido, esta semana, dois homens, dois políticos, num extraordinário diálogo de inteligência, soluções e amor pelo compromisso, para cairmos em nós, descobrindo quão mal entregues estamos e quão melhor poderíamos estar. No Prós e Contras da RTP, António Costa e Rui Rio - sem dúvida os próximos líderes de PS e PSD, respetivamente - deram-nos alguma esperança de vida. Dois homens com pontos em comum, com alguma coisa para dizer e para dar. Mas quando?
PS - Até à hora a que escrevo, o Presidente Cavaco Silva não cumpriu a promessa de exercer uma magistratura ativa, quando mais dela precisávamos. Esperemos não virmos a descobrir que esteve, todo este tempo, a comer caracóis, no Pulo do Lobo. É que não estamos na época dos caracóis.

IN "VISÃO"
24/03/11

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