25/02/2011

MÁRIO RAMIRES




O túnel e o buraco




Os partidos estão muito mais preocupados com a crise política que se antevê do que com a crise económica e financeira que não tem solução que se veja.
Se há matéria em que os portugueses são criativos e produtivos é nas anedotas e piadas que rapidamente circulam a propósito de tudo e de coisa nenhuma. De boca em boca, de computador em computador, de telemóvel em telemóvel.

Há semanas, alguém pôs a correr na web que as medidas de austeridade e a crise tinham obrigado a desligar a luz que havia ao fundo do túnel.

Tem graça, mas, e sobretudo agora que os efeitos da crise começam a doer e que não há perspectivas sérias de saída dela, não tem piada alguma.

Em extensa e interessante entrevista ao DE, o governador do Banco de Portugal reconheceu esta semana que Portugal já entrou em recessão.

E, ontem, os números do desemprego divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística - com ou sem as operações de cosmética que a CGTP diz existirem - também não permitem augurar nada de bom. Pelo contrário.

Nem tão-pouco as reacções da ministra do Trabalho e do seu secretário de Estado, na linha de negação da realidade em que o Governo - a começar pelo primeiro-ministro - teima em manter, contribuem positivamente para o que quer que seja.

Porque o Governo e a maioria (relativa) que o sustenta continuam a revelar muito maior preocupação com a crise política que há-de vir do que com as medidas de austeridade que se impõem para combater a crise económica e financeira e encontrar um rumo de futuro para o país.

Para o PS - como para a Oposição - é como se já se estivesse em campanha eleitoral.

Com o país e os portugueses na situação em que estão, os partidos, a começar pelo da maioria, focam-se nos jogos e guerras menores em que os interesses que falam mais alto são os... partidários.

Só assim se entende, aliás, a estapafúrdia moção de censura precipitadamente anunciada pelo Bloco de Esquerda - um tiro que, mais do que de pólvora seca, saiu pela culatra de Francisco Louçã e companhia.

A moção não podia ser mais inoportuna - porque anunciada para o dia seguinte ao da posse do reeleito Presidente da República e para a véspera de um Conselho Europeu decisivo para o futuro de Portugal e da Europa do euro. Nem mais inconsequente - porque a sua fundamentação logo excluiu qualquer possibilidade de viabilização parlamentar pelo PSD ou CDS, sem os quais está forçosamente votada ao fracasso.

Objectivamente, o BE acabou a fazer o favor ao PS de obrigar o PSD e o CDS a aparecerem como sustentáculos do Governo socialista. E a adiar por mais uns tempos a crise política cada vez mais inevitável.

Tanto assim que, de forma anormal e caricata, foi o ministro dos Assuntos Parlamentares quem recordou em conferência de líderes que o BE se estava a esquecer de agendar a prometida moção de censura.

A VERDADE é que, sendo irrelevante a moção do BE, já todos sabem que este Governo tem um prazo de validade que muito dificilmente ultrapassará, na melhor (ou pior) das hipóteses, a votação do Orçamento do Estado para 2012.

E daí a permanente campanha eleitoral, com o primeiro-ministro e líder do PS a dar o exemplo: José Sócrates continua a marcar na sua agenda semanal visitas ao Portugal de sucesso, para operações de propaganda como a de sexta-feira passada, no distrito de Aveiro.

«É disto que Portugal precisa: de mais fábricas, mais produção, mais emprego...». Bem pode proclamá-lo. De nada adianta.

Como já de nada servem os diagnósticos sobre o estado real do país - que são mais do que sabidos e há-os de sobra.

Em Cacia, Sócrates sentou-se aos comandos de uma retroescavadora e, com o típico humor português, gracejou que já sabe o que vai fazer quando deixar de ser primeiro-ministro (CM de sábado: «Se perder o emprego, já sei...»).

Ainda que, implicitamente, possa ler-se nessa declaração um reconhecimento de que a sua especialidade é abrir buracos, é mais uma daquelas graças que, pela inoportunidade, não têm piada.

Melhor seria que soubesse e dissesse o que vai fazer enquanto ainda é primeiro-ministro. E que o resultado não fosse aumentar o buraco gigantesco em que estamos caídos.

IN "SOL"
21/02/11

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