15/02/2011

FERNANDO BRAGA DE MATOS


Sexo, política 
        e incentivo

(Onde o autor, informado que uma deputada belga pôs em movimento uma greve de sexo para estimular os políticos masculinos do país a porem termo ao impasse para constituírem governo e plataforma subjacente, dá o seu aval à prática de tal incentivo, embora lhe ocorram reservas, aperfeiçoamentos e comentários da mais alta pertinência, como é timbre deste lugar).

Uma greve de pernas cruzadas é muito mais devastadora que uma de braços caídos, como tanto a longa história das lutas, de classes e de sexos, confirmam absolutamente e daí o poder esperar-se, se não enormes quantidades de adesão, pelo menos sucessos muito prováveis, por exaustão de recursos e de sistema nervoso. Diz-se que a guerra dos sexos não tem grandes hipóteses, por excessiva confraternização dos beligerantes, mas exactamente aí é que toca o ponto, ao acabar-se com o "pé-sanga". Isto é mesmo jogar duro, portanto, e só possível porque as épocas mudaram dramaticamente. Nos bons velhos tempos do machismo, completamente extinto no ocidente e só mantendo honrosas abencerragens nos nossos irmãos muçulmanos, onde as coisas continuam na ordem, a situação não era esta. Lembro-me que, numa fantástica comédia de Dino Risi dos anos 60 , as mulheres da aldeia levaram avante idêntico projecto e passado pouco tempo estavam todas grávidas, para além de ornamento escuro facial (1). Agora não é assim, e, pelo contrário, se não estamos todos castrados como os gatos caseiros já é muito bom. Consciente da evolução dos tempos, a deputada socialista Marlene Temmerman avançou com o apelo da greve sexual numa entrevista radiofónica e a notícia já se difundiu um pouco por todo o mundo. Realmente, aquilo de não conseguirem constituir governo há meses, quase batendo o recorde mundial do Iraque, é de dar cabo da paciência, embora um governo de gestão, com base na Administração Pública, não tenha menos direcção, rumo e competência que o governo do execrável Sócrates. Seja como for, a Marlene avançou e disse:" Se todas nos pusermos de acordo em relação à abstinência sexual, estou convencida de que podemos chegar mais rápido a negociações [para formar Governo]". Para tal tomada de posição, há-de ter contribuído a filiação socialista, tipo político que actualmente se preocupa muito com sexo, costumes e sociedade, desde o casamento "gay" ao divórcio na hora, deixando a tarefa da propagação da espécie à direita conservadora e as perspectivas libidinosas aos liberais, como o nome indica (A escola de Chicago pode não melhorar a moral das populações mas promove o moral das mesmas).

Mas, uma coisa me escapa desde logo, a saber, a reaccionária discriminação sexual da dita deputada socialista, tratando as suas companheiras de sub- espécie como seres assexuados ou até sexualmente frígidos. Tendo-me profundamente informado, concluí que a Bélgica tem mulheres deputadas, para além da Marlene, o que me dá para perguntar que incentivo negativo se lhes aplica, visto que, a deduzir das próprias palavras da parlamentar, os homens parecem indisponíveis para práticas abstencionistas: "Já se sabe o que pensam os homens sobre estas coisas", diz na argumentação da proposta. Então que se lhes faz? Deixam de poder ir ao cabeleireiro ou fazer depilação, por exemplo? Uma lacuna importante como se vê.

Mas anoto ainda mais falhas na marleniana proposta, uma das quais, pelo menos, não escapa a nenhum homem de vista arguta: Como vão reagir os deputados casados com mulheres feias, com celulite, glândulas pouco viçosas, e avessas à cirurgia estética? Diria eu, com implacável raciocínio lógico, que esses vão radicalizar o seu discurso, por se poderem furtar aliviadamente ao " débito conjugal", como estupidamente se chama ao acto, em Direito. Aprofundando a análise lógico-sociológica, poder-se-ia até agravar o problema devido ao facto de existir uma correlação negativa entre atracção sexual e avanço etário.

Finalmente, adepto que sou de por em uso o princípio do incentivo que ela defende, atrever-me-ia a sugerir à Marlene uma aproximação menos brusca do, a meu ver ineficiente, princípio de "tudo ou nada". Porque não premiar as atitudes construtivas, as aproximações flexíveis, os acolhimentos receptícios, isto é, comportamentos facilitadores do resultado desejado? Atendendo à extrema versatilidade dos seres humanos, eu ousaria, com grande humildade intelectual, a sugerir o método da oralidade, e não me refiro ao procedimento judicial. Assim, sim.


(1) Piadas sexistas àparte, continua a ser rigorosamente chocante a brutalidade dos homens portugueses (e não só), manifestada nos absurdos números e descrições da violência doméstica.



Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
11/02/11

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