11/01/2011

JOÃO GOBERN



E justiça para todos
tempo útil

Admito que fossem múltiplos os motivos de Manuel Machado para desvalorizar a Taça da Liga, atacando o favorecimento dos poderosos em que esta lhe parece estar assente. Por um lado, quis retirar pressão à equipa que orienta, definindo prioridades que, de forma antecipada, a ilibassem, qualquer que fosse o resultado do duelo regional disputado em casa do grande rival minhoto. Por outro, pôs o dedo na ferida, dizendo em voz alta o que muitos pensam: que a competição idealizada por Hermínio Loureiro para dar rodagem a jogadores, mais tempo e mais jogos às equipas, novas receitas aos clubes, enferma de um regulamento que estende a passadeira das meias-finais aos “grandes” e que empurra os “pequenos” para o papel de parentes pobres.

Basta notar a constituição dos grupos na segunda fase da prova, com Benfica, FC Porto e Sporting cada um em seu canto e cada um com direito a defrontar uma equipa de escalão inferior. Se dúvidas houvesse, o calendário encarrega-se do resto: os três “grandes” têm direito a dois jogos caseiros – só se deslocam na última jornada e aos campos dos adversários que militam no escalão secundário (Benfica a Vila das Aves, FC Porto a Barcelos, Sporting ao Estoril). Seria difícil falar mais claro por linhas tortas: neste modelo, esta fase corresponde a um desejo expresso de ver os abastados numa via rápida para as meias-finais da prova que, de resto, é (bem) promovida pela estação que comprou os direitos de transmissão televisiva como a Taça “dos grandes jogos”.

Se juntarmos a isto a circunstância de a Taça da Liga não garantir lugar europeu nem nenhuma recompensa desportiva especial (pode ser um prémio de consolação, como aconteceu com o Benfica de Quique Flores), percebe-se que o empenhamento na competição nunca irá além de uma participação resignada, mas nunca entusiasta, das diferentes equipas nela envolvidas. Razão mais do que suficiente para julgar pertinente uma revisão – com tempo suficiente para permitir desenvolver as boas ideias que apareçam – do respetivo regulamento, para que desapareça esta ideia de inclinação a favor de quem mais pode. A surpreendente derrota caseira do FC Porto – que fica diretamente dependente dos resultados do Nacional para saber se ainda terá uma palavra a dizer na competição – é, neste contexto, um milagre, que correu mal aos contabilistas.

Mas até aí os adeptos portistas alinharam pelo pragmatismo: antes perder na Taça da Liga do que no campeonato, apesar do considerável avanço. Ou seja, na escala atual dos valores, mais vale uma eliminação provável do que um percalço recuperável. Não abona a favor de uma prova em que gostaríamos de ver prolongado o título de um grande filme – “E Justiça para todos”.

IN "RECORD"
05/01/11

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