23/01/2011

JOÃO CARDOSO ROSAS

 
João Cardoso Rosas
 No auge da crise da Argélia, quando confrontado com uma manifestação a favor da manutenção do domínio francês, o Presidente De Gaulle respondeu aos manifestantes com uma frase famosa: 
‘Je vous ai compris’.

Toda a gente interpretou essa afirmação solene como um apoio claro aos defensores da Argélia francesa. Mas, depois disso, De Gaulle decidiu ao contrário, a favor da saída da Argélia, e não hesitou em implementar a sua decisão.
As frases oraculares dos agentes políticos - que parecem ceder às multidões mas não comprometem os seus autores com nada em particular - podem ser vistas como uma forma de enganar o povo. Esta é a perspectiva da visão moralista da política, predominante no homem da rua e no comentário jornalístico (não confundir com a visão ética da política, que é outra coisa e é indispensável). Mas essas frases também podem ser vistas como uma forma hábil de enfrentar as massas, resistindo às suas exigências mais irrealistas.
Na campanha eleitoral que hoje termina assistimos a muitos episódios do tipo "compreendi-vos". Cavaco Silva deu a entender aos defensores do financiamento do ensino privado pelo Orçamento de Estado que os tinha compreendido, mas já antes tinha promulgado - e bem - a lei do Governo que os manifestantes contestavam. Manuel Alegre deu muitas vezes a entender aos populares que os compreendia nas críticas à política seguida pelos Governos Sócrates, mas ele próprio a apoiou quase sempre enquanto deputado e enquanto candidato apoiado pelo PS.
Os episódios mais interessantes do tipo "compreendi-vos" tiveram a ver com a questão central desta eleição: a interpretação dos poderes presidenciais e o maior ou menor activismo político por parte do futuro Presidente. Cavaco Silva, que tem uma posição institucionalista e moderada, deixou por vezes entender aos participantes nos seus comícios que, com a sua reeleição, surgiria uma crise política - isso não é verdade, mas é o que uma parte dos apoiantes de Cavaco Silva pretende. Da mesma forma, Manuel Alegre, que durante a pré-campanha defendeu sempre um activismo extremo por parte do PR, criticando Cavaco nessa matéria, acabou por apresentar o actual Presidente como um promotor de instabilidade e atribuir-se a si mesmo o papel de moderado - isso também não é verdade, mas é o que uma parte dos seus apoiantes - os socialistas - espera.
Depois das eleições de domingo, as coisas voltarão ao lugar. Os ex-candidatos deixarão de ter de dizer ao povo que o compreenderam e poderão mostrar mais calmamente o seu sentido de Estado. Este consiste em perseguir a justiça e o bem comum, no respeito estrito pelos resultados eleitorais, mas não em satisfazer as ânsias de quem grita mas alto.

 PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
21/01/11

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